Criação da Política “Pró-Minerais Estratégicos” significa flexibilizar o processo de licenciamento, agravar a violação dos direitos das comunidades atingidas e destruir a natureza

Por Ananda Ridart, da página do MAM

Você sabia que, há exatos um ano, o governo Bolsonaro lançou a Política de Apoio ao Licenciamento Ambiental de Projetos de Investimentos para a Produção de Minerais Estratégicos, por meio do decreto Nº 10.657? Na prática, a Política “Pró-Minerais Estratégicos” foi instituída no Programa de Parcerias de Investimentos (PPI), possibilitando que as mineradoras solicitem a inclusão de um projeto desde que seja de “importância para setores vitais da economia” ou que apresentem “vantagem” para o superávit comercial. É um processo frágil, sem participação popular, um r etrocesso às conquistas dos direitos ambientais e dos povos tradicionais. É uma política característica de um governo de classes, comandado pelas demandas do grande capital internacional.

O superávit comercial é o nome que se dá quando a balança comercial de um país é positiva. Isto é, quando o valor das exportações superam o valor das importações. O oposto do superávit comercial é o déficit comercial.

O Comitê Interministerial de Análise de Projetos de Minerais Estratégicos (CTAPME) tem sido alvo de críticas desde sua criação, a partir do Decreto n° 10.657/2021, assinado pelo Ministro da Economia, Paulo Guedes. A resolução propõe que o Comitê destrave e agilize projetos que envolvam produção de minerais estratégicos do país, e o Comitê divulgou uma lista de empreendimentos que irão integrar a política de minerais estratégicos – todos apresentam empecilhos socioambientais para sua implementação e, por isso, terão auxílio do Governo Federal através do Comitê para o destrave.

Os projetos apresentados pelas mineradoras devem ser analisados pelo CTAPME, sem a participação do Ministério do Meio Ambiente, participação civil ou qualquer órgão ambiental fiscalizador. Embora o licenciamento ambiental seja de competência do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), o Comitê conduzirá o processo, dará pareceres e agilizará os trâmites, com a intenção de produzir licenciamentos simplificados para projetos estratégicos nacionais.

Para além da problemática ambiental, essa política atravessa o pacto federativo, já que em muitos projetos os entraves estão no âmbito municipal e estadual. Com a criação do Comitê, a esfera federal irá impor sua soberania aos poderes executivos de outras esferas.

O pacto federativo é o conjunto de dispositivos constitucionais que configuram a moldura jurídica, as obrigações financeiras, a arrecadação de recurso e os campos de atuação dos entes federados. O debate em torno do pacto federativo que está sendo travado atualmente no Congresso Nacional gira em torno, sobretudo, de questões fiscais.

CONTEXTO RIO GRANDE DO SUL
Esse é o caso do projeto Retiro, em São José do Norte, no Rio Grande do Sul, por exemplo. O empreendimento pertence a empresa Rio Grande Mineração, que tem o objetivo de explorar cerca de 600 mil toneladas de titânio e zircônio em um território entre a Lagoa dos Patos e o Oceano Atlântico.

A questão é que há um entrave no Plano Diretor da cidade, onde é proibida a extração de minerais metálicos ou qualquer outro projeto de megamineração. Um empreendimento de grande porte, como o Retiro, pode atingir a reserva hídrica da comunidade, e a criação do decreto significa a possibilidade do atropelamento de determinações municipais e estaduais sob a justificativa de um “interesse nacional”.

“Em 2019, o Plano Diretor do município foi modificado, depois de muita mobilização popular, com a participação de agricultores, quilombolas, pescadores e de toda a comunidade. Esperava-se que, quando a licença prévia expirasse, o projeto não daria continuidade. Porém, quando chegou esse decreto, a população ficou horrorizada. A maioria é expressamente contra”, comenta Sabrina Lima, coordenadora nacional do MAM.

No mesmo estado também há o projeto “Águia Fertilizantes – Projeto Fosfato Três Estradas”, da mineradora australiana Águia Resources Limited, no município de Lavras do Sul, para a extração de fosfato para uso em fertilizante no agronegócio brasileiro. Contudo, o projeto foi questionado pelo Estudo de Impactos Ambientais (EIA/Rima), por não ter inserido as comunidades tradicionais da região na análise. Quilombolas, agricultores e pecuaristas familiares não foram levados em consideração na criação do projeto, a população está em resistência e colocaram placas na frente de suas casas com o seguinte aviso: “não negociamos com mineradoras”.

O debate em torno dos fertilizantes acontece, neste momento, também com a votação em caráter de urgência do Projeto de Lei 191, no Congresso Nacional, conhecido como o ‘projeto dos fertilizantes’. Bolsonaro utilizou até a desumana guerra da Rússia contra a Ucrânia como desculpa para aprovar a rodo a votação do PL na Casa.

CONTEXTO MINAS GERAIS
Em Minas Gerais, cenário constante de crimes socioambientais provocados por mineradoras, há uma lista de projetos prioritários, como o “Projeto Bloco 8” no Norte de Minas, pela mineradora Sul Americana de Metais. O empreendimento pretende construir uma barragem de rejeitos 90 vezes maior que a do Córrego do Feijão, que rompeu em Brumadinho em janeiro de 2019. A implementação do projeto é para a extração de ferro, porém recebeu pareceres negativos pela inviabilidade do empreendimento na região.

“Estamos falando do Norte de Minas, uma região semiárida que sofre naturalmente com a falta de água. A implementação de uma mina desse tipo vai agravar ainda mais esse problema. Além disso, a empresa vai escoar a produção por mineroduto e, para isso, também utiliza-se muita água. Além de todo o prejuízo no manancial com a cava e a mina, vai definitivamente acabar com a água do povo para beneficiar a mineração com pouco retorno, tudo isso em uma região que não tem o menor potencial mineral, uma região que tem atividade tradicionais de agricultura e quilombolas”, esclarece Luiz Paulo, da coordenação nacional do MAM.

 Minerodutos são dutos que realizam o transporte de minério, geralmente por longas distâncias, até o processamento final do material.

O Ibama havia dado parecer negativo para a implementação do projeto. Porém, no ano passado, o governador Romeu Zema assinou um termo de compromisso e de conduta junto à mineradora e ao Ministério Público estadual para quando o projeto for instalado. Isso é um procedimento novo, onde há um acordo de Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) sem que a empresa tenha viabilizado o projeto e tenha sido licenciado ambientalmente.

O Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) é um acordo celebrado entre as partes interessadas com o objetivo de proteger direitos de caráter transindividual, ou seja, sendo de interesse coletivo.

CONTEXTO PARÁ
No Estado do Pará, há quatro projetos solicitados pela Vale: Projeto Mina do Alemão, Projeto Mina N3, Projeto N1 e N2 e Projeto S11D, todos pertencentes ao Complexo Minerário de Carajás, em Parauapebas.

No projeto S11, a empresa estava impedida de minerar alguns blocos pela presença de cavernas de alta cavidade que eram protegidas pela legislação brasileira por sua importância ambiental e histórica. Contudo, em 12 de janeiro desse ano, o Governo Bolsonaro assinou um decreto permitindo a exploração e a destruição das cavernas para fins econômicos. A caverna de interesse da Vale no Projeto S11 possui cinco metros de extensão. Em caso de licenciamento aprovado, pode significar a implosão irreparável de sítios arqueológicos.

A solicitação de vários projetos no complexo minerário de Carajás se dá pelo início do esgotamento da mineração na região Sudeste do Brasil (ou seja, em MG, ES e RJ), que possui jazidas geológicas com pouca duração para exploração e minérios carregados de ‘impurezas’. A expansão da mineração na Amazônia tem a intenção de alcançar recordes de lucros através do Projeto Grande Carajás.

*Edição de Raquel Monteath, do Coletivo Nacional de Comunicação do MAM.