Desde os primeiros movimentos do governo golpista – inaugurados com a destituição de Dilma Rousseff da Presidência do país – apontou-se uma série de retrocessos em relação aos direitos, historicamente, conquistados pela classe trabalhadora e medidas que colocam em risco a soberania nacional.

Já naquele momento, o MAM – Movimento pela Soberania Popular na Mineração anunciou: “o golpe de Temer acelera o saque mineral no Brasil”, apontando o que seria a política mineral do governo Temer: mudanças legislativas para acelerar a exploração, ausência de um projeto soberano de país sobre estes bens estratégicos e desconsideração da questão ambiental e das condições de trabalho para os trabalhadores do setor.

Em nota no dia 05 de agosto de 2016, afirmamos: “Embora essas pautas não sejam novidades e seus andamentos no Congresso aconteçam de forma distintas, temos convicção de que neste momento da conjuntura política, com o governo golpista e usurpador de Michel Temer, esses projetos de leis serão acelerados dentro do Congresso Nacional. Para atender a bancada ruralista e, sobretudo, os interesses do setor mineral, ávido pela exploração indiscriminada de nossos recursos naturais e minerais”.

Um ano depois, as movimentações iniciais se consolidam com a apresentação de medidas provisórias e atos administrativos.

No dia 25 de julho o presidente golpista apresentou três Medidas Provisórias (MPs) para  reformular a legislação do setor mineral. Como já era esperado desde o final de 2016, Temer fatiou o Código da Mineração em três  temas e os apresentou na forma antidemocrática de medidas provisórias, que impõe um tempo reduzido para qualquer debate (120 dias de tramitação entre Câmara e Senado, com a formação de uma comissão mista entre as duas casas). A escolha dos temas também foi previsível: a MP 789 que trata da nova regulação da Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais (CFEM); a MP 790 sobre a  reformulação de pontos do atual código de minas; e MP 791 que cria a Agência Nacional de Mineração (ANM), substituindo o Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM).

O governo Temer trata, dessa maneira, todas as mudanças apenas em âmbito administrativo e fiscal. Não são consideradas, minimamente, as populações que estão em conflito com os  empreendimentos minerários, os trabalhadores da mineração,  o meio ambiente e o interesse do povo brasileiro. Parece que nada foi aprendido com a maior tragédia-crime socioambiental do Brasil, o rompimento da barragem do Fundão, em Mariana, que destruiu toda a bacia do rio Doce. Temos, com as MPs de Temer, uma oportunidade perdida de pensar o conjunto das discussões da mineração.

Vantagens para o Capital estrangeiro

A limitação dos investimentos estatais por vinte anos, as reformas trabalhista e previdenciária são algumas das iniciativas do Governo Temer que objetivam formar atratividade para o capital baseada no baixo custo da mão de obra e na flexibilização de normas ambientais. Dessa forma, tenta atrair o capital estrangeiro oferecendo vantagens competitivas, isto é, a superexploração do trabalhador e do meio ambiente, em detrimento do interesse popular. As multinacionais da mineração e o sistema financeiro são os principais favorecidos nesse processo. Perdem os trabalhadores, as populações afetadas pela atividade mineradora e o meio ambiente.

O empenho do golpismo para  compensar as empresas mineradoras pela queda dos preços dos minerais no mercado internacional se evidenciou tanto nas Medidas Provisórias, quanto no novo acordo de acionistas da Vale (que retira do Governo Federal a capacidade de influenciar na escolha da presidência da empresa, além de aumentar a participação do setor financeiro na composição da empresa). Aprovado em maio de 2017, o novo acordo  beneficia, de maneira geral, o capital privado estrangeiro com a futura dissolução do grupo controlador Valepar. E por fim, está se materializando também no decreto que possibilita a abertura da Reserva Nacional de Cobre e Associados (RENCA) para a exploração mineral, abrindo assim a possibilidade de novos projetos numa área de floresta amazônica e povoada por populações indígenas.

Concomitante ao envio das MP´s, Michel Temer articulou, na Câmara dos Deputados, o seu não afastamento por corrupção passiva, que seria votado na semana seguinte da apresentação das MP’s. Dessa forma, as reformas no código mineral tentam simultaneamente agradar a parlamentares da bancada mineradora e políticos ligados a prefeituras municipais e governos estaduais de regiões mineradas.

Leonardo Quintão/ Foto: Lucio Bernardo Jr./Câmara dos Deputados

Um dos deputados mais cotados para ser um dos relatores das Comissões Mistas que estão sendo montadas para para cada Medida Provisória, Leonardo Quintão (PMDB-MG), foi o deputado de Minas Gerais que mais recebeu emendas parlamentares nos últimos dois meses, no valor total 10,7 milhões de reais liberados. O mesmo Deputado foi o relator desde 2013 na então Comissão Especial do Novo Marco Regulatório, priorizando explicitamente o interesse das grandes mineradoras.

 

 

 

O conteúdo do conjunto das MP´s enviadas ao congresso nacional tem caráter liberalizante e irá flexibilizar ainda mais o acesso às mineradoras ao território, ao subsolo brasileiro, com baixa arrecadação fiscal para o Estado e sem fiscalização rígida.

MP 790

Tomemos o conteúdo da MP 790, que trata da reformulação do Código de Minas de 1967: inexistem referências às populações que vivem em áreas de interesse mineral, como se os projetos não fossem sempre instalados no entorno de comunidades rurais e mesmo de áreas urbanas das cidades. Parte-se do princípio de que a mineração é mais importante e fundamental, como se não houvessem outras formas de uso do solo que são incompatíveis com a atividade da mineração, como áreas da agricultura familiar, assentamentos da reforma agrária, territórios quilombolas e terras indígenas. A questão ambiental é igualmente inexistente. As únicas menções são em relação à “recuperação ambiental”, como se não se tratasse de impactos irreversíveis. E ainda: não é detalhado como será feito o Plano de Fechamento de Minas, quais serão os parâmetros e prazos obrigatórios para as empresas. Existe também uma ausência total sobre os trabalhadores do setor, nenhuma menção às questões de saúde e segurança dos trabalhadores e das obrigações para os mesmos.

Mas algumas novidades, em grande medida, favorecem as empresas: em alguns casos (Artigo 26) as áreas disponibilizadas para a extração serão colocadas em leilões virtuais – ganhará a empresa ou pessoa física que ofertar o lance mais alto. Essa medida que visa “desburocratizar” pode facilitar, na verdade, a especulação sobre os territórios. Outra novidade diz respeito aos tipos de infração para as empresas em caso de não cumprimento dos prazos, o Artigo 63 do novo texto prevê outra gradação de infrações, amenizando as penalidades para as empresas. Ao mesmo tempo em que, em diferentes passagens aumenta-se prazos para que as empresas apresentem documentos e cumpram os tempos estabelecidos.

Outro elemento preocupante nessa MP é a possibilidade fiscalização por amostragem (Artigo 81-B), uma mostra que este governo desconsidera todo o entendimento do que significou o rompimento da barragem de Fundão. O Estado brasileiro precisa ser capaz de monitorar e fiscalizar o setor da mineração no Brasil, proposta de fiscalização por amostragem é um escárnio com as vítimas fatais da lama da Samarco, com os milhares de trabalhadores que ficaram sem trabalho em decorrência do rompimento e com toda a bacia do Rio Doce. Um dos problemas foi a falta de permanência na fiscalização, visto que o DNPM possui quatro funcionários em Minas Gerais para fiscalizar mais de 360 barragens de rejeitos de mineração existentes no estado. Caso seja aprovada esta proposta, de fiscalização por amostragem, aumentará a probabilidade de novos rompimentos.

MP 791

A MP 791, que trata da Agência Nacional de Mineração (ANM), tem em seu conjunto de artigos propostas pró-mercado. O Artigo 12 afirma que sindicalistas não poderão assumir cargos de direção na ANM. Entretanto, ex-diretores do setor de mineração encontram apenas a restrição de que não estejam ligados às empresas durante a direção na ANM. Assim, fica evidente a opção do Executivo em defender interesses das grandes empresas mineradoras, evidenciando o interesse que a ANM defenderá ao inserir como critério que para compor a diretoria da Agência a pessoa não tenha exercido atividade sindical demonstra um cerceamento dos sujeitos se envolverem em atividades políticas, assim como, não ter exercido, no período de seis meses anteriores, atividade partidária, demonstrando assim o caráter inconstitucional para composição da diretoria da ANM.

No Artigo 6º não fica clara a responsabilidade pela vistoria/fiscalização dos empreendimentos da mineração, incluindo as barragens de rejeitos da atividade minerária. Atualmente, existem técnicos do DNPM que realizam vistorias, no entanto, com o processo de sucateamento do órgão a quantidade de técnicos e vistorias são insuficientes. A lei não especifica como será a vistoria/fiscalização no caso da ANM criando a possibilidade que essas atividades sejam realizadas pelo setor privado. Ou seja, a possibilidade concreta da terceirização dessas funções centrais para a segurança da população e para a prevenção de tragédias como a que aconteceu em Mariana e em tantos outros lugares que foram vítimas de rompimento de barragem de rejeitos da mineração. O caminho mais acertado seria fortalecer os órgãos competentes com a abertura de amplo concurso público para a garantia que a fiscalização do setor da mineração no Brasil fosse feita de modo mais efetivo.

MP 789

E, por fim, a MP 789  trata das questões relacionadas à Compensação Financeira pela Exploração dos Recursos Minerais (CFEM), chamada popularmente de “royalties da mineração”. A proposta inicial é a alteração da cobrança da alíquota sobre a extração mineral. Para alguns minerais será mantido o valor atual para outros foram propostas mudanças. Por exemplo, no minério de ferro (principal mineral exportado) atualmente é cobrado 2% sobre o faturamento líquido das empresas, independente do valor da tonelada do minério pelo mercado internacional. A proposta é alterar para um escalonamento de 2% a 4% sobre o faturamento bruto, porcentagem que terá variação de acordo com o preço internacional do minério e a cotação do dólar americano.

Os valores irão variar de 2% quando a tonelada estiver a US$ 60 ou menos até 4%, quando a tonelada for cotada em US$ 100 ou mais. Todas as análises da conjuntura internacional da mineração apontam que estamos distantes de outro boom dos preços das commodities minerais, como a que aconteceu em período recente. A única diferença substancial está na incidência: antes no faturamento líquido e aprovada essa proposta seria no bruto. É importante ressaltar que é uma prática comum das grandes mineradoras a manipulação dos valores da CFEM, por meio de transferência de preço.

Vendem os minérios para subsidiárias em paraísos fiscais a preços abaixo dos praticados no mercado, pagando assim relativamente menos CFEM, para depois revender a preços de mercado para o destinatário final. A fiscalização insuficiente do Estado brasileiro é o que garante essas práticas recorrentes e a consequência direta é a menor arrecadação fiscal especialmente para as cidades mineradas, que recebem o montante principal da CFEM.

Numa comparação internacional fica evidente que a percentagem de CFEM que é cobrada no Brasil está abaixo de muitos países que possuem mineração. Como exemplos: a Austrália cobra 7,5% da receita bruta e o Canadá de 15% a 20% da receita bruta em royalties. O Brasil tem a hematita e o itabirito com alto teor de pureza, 60% e 50%, respectivamente, porém não tem uma sobretaxa sobre a extração desse mineral economicamente vantajoso. Vale ressaltar que caberia uma sobretaxa em caso de preços extremamente elevados, como os que ocorreram durante o boom das commodities.

Outra questão sobre a cobrança dos royalties são os minerais estratégicos. Principalmente os que possuímos quase que exclusivamente as reservas mundiais e que são extremamente necessários para a produção de tecnologias avançadas. O Brasil possui 98% das reservas mundiais de nióbio, que é utilizado na fabricação de ligas metálicas e na produção de objetos de alta tecnologia. Não existe um tratamento diferenciado sobre esse bem natural, na proposta da MP 789 seria cobrado apenas 3% de royalties sobre esse mineral, um completo absurdo! O Brasil deveria cobrar uma taxação especial sobre um mineral tão estratégico como o nióbio, e deveria controlar o ritmo de sua extração através da estatização das minas de nióbio existentes no país. Assim como o nióbio, temos outros minérios estratégicos, o Brasil possui algumas das principais jazidas mundiais, como a Tantalita (52%), a Grafita (25,9%), o Caulim (28,5%), o Talco (17%), a Vermiculita (10,3%) e a Bauxita (10%). Deveria-se estabelecer um tratamento diferenciado, tanto na alíquota quanto na destinação e apropriação desses bens.

Cobrança e uso do recurso da CFEM

Sobre a cobrança da CFEM, existe a divisão e destinação do recurso arrecadado. A proposta colocada pelo governo golpista é de que a divisão entre os entes seja mantida da forma que é atualmente: do valor arrecadado 12% é destinado a União, 23% para os estados e 65% para os municípios minerados, onde estão localizadas as cavas das minas. Ou seja, os municípios que sofrem com a instalação das infraestruturas, tais como as barragens de rejeitos, e com os modais de escoamento dos minérios (minerodutos, ferrovias, e rodovias) não entram no cálculo da divisão da CFEM. Como estes municípios sofrem os impactos dos projetos, o mais correto seria  considerá-los de alguma maneira no distribuição da CFEM. Defendemos que esses municípios recebam 10%, recalculando a divisão para 60% às cidades mineradas, 20% para os estados minerados e 10% para a União.

E ainda não há obrigatoriedade do uso do recurso advindo da CFEM, como por exemplo, ter como destino os serviços públicos, tais como educação e saúde. O MAM defende que se destine 50% do valor da CFEM para saúde (12,5%) e educação (37,5%) dos municípios e dos estados, como forma de complemento às metas mínimas obrigatórias. E algo grave: a MP 789 também não traz instrumentos de auditoria para a destinação dos recursos e formas mais rígidas para a fiscalização. Não há também nesta Medida Provisória incentivos que gerem a diversificação econômica nos municípios minerados. Deveria haver incentivo para atividades econômicas que não estejam, diretamente, ligadas à atividade mineradora e/ou na cadeia produtiva da mineração (fornecimento de bens e serviços). A minério-dependência que ocorre nos municípios minerados sujeita às oscilações do mercado, dificulta o planejamento dessas cidades, além de colocar a população aos danos sociais e ambientais advindos da atividade. Tendo em vista que se trata de recursos finitos, é necessário criar alternativas econômicas para a população desses municípios. Estas alternativas devem ter caráter popular e local; e serem intensivas na criação de postos de trabalho, tais como: agricultura familiar, turismo, empresas de pequeno porte, economia solidária, pesquisa e desenvolvimento, ensino, ciência e tecnologia.

Instalação das comissões para analisar as MP’s

Na última semana, a Câmara dos Deputados tentou instalar as três comissões para analisar as MP´s. No meio de tantas outras pautas que circularam na semana, principalmente sobre a liberação da Reserva Nacional de Cobre e Associados (RENCA), passou quase despercebida a finalização da composição da comissão que analisará a MP 791, que trata das questões relacionadas a criação da Agência Nacional da Mineração (ANM). A comissão terá como relator o Deputado Leonardo Quintão (PMDB-MG) que recebeu cerca de R$ 2,8 milhões na campanha de 2014 do setor mineral. Teremos mais uma vez uma agência reguladora que será mais um braço do setor empresarial dentro do poder público.

Não podemos deixar de perceber que as duas outras MP´s, que são centrais para o Estado e o setor empresarial da mineração, não tiveram a composição da Comissão concluída. Isso nos leva a afirmar que não há consenso entre o setor empresarial, o governo golpista, as prefeituras das cidades mineradas e das que sofrem com a logística de escoamento sobre a CFEM (MP 789) e sobre as leis gerais da mineração (MP 790).

O MAM acredita que a construção de uma política mineral, voltada aos interesses do povo brasileiro, não perpassa apenas o envio de Medidas Provisórias colocando a alíquota sobre a receita bruta. O conjunto da pauta mineral não é somente isso, mas sim o destino e o controle dos nossos bens minerais que são fundamentais para o desenvolvimento da humanidade e que têm sido rifados da pior forma possível, passando por cima de comunidades quilombolas, ribeirinhas, camponesas, assentadas; e ainda assoreando e contaminando as águas e o meio ambiente.

Essa é a política adotada pelo governo golpista para pagar a conta de quem o ajudou a executar o golpe. Neste pagamento já entraram os ativos da CPRM e as suas áreas (como a RENCA); o novo acordo de acionistas da VALE; a absolvição da dívida da SAMARCO e dos crimes cometidos; as novas fronteiras minerais e a mineração em áreas de fronteiras – medidas que fazem parte de um pacote inteiro de entrega dos nossos bens naturais.

Não sairemos dos nossos territórios, dos nossos assentamentos, das nossas terras indígenas, dos nossos territórios quilombolas, das nossas comunidades rurais e das nossas cidades para que uma empresa privada instale ou aumente seu empreendimento. Resistiremos e enfrentaremos de todas as formas as empresas mineradoras e esse governo golpista que só quer explorar a classe trabalhadora. Somente a retomada da construção de um Projeto Nacional Popular para o Brasil permitirá que o povo brasileiro tenha o controle da destinação dos nossos bens minerais.

 

Coordenação Nacional do MAM

28 de agosto de 2017

Por um país soberano e sério, contra o saque dos nossos minérios!