O recente estudo realizado pela Rede Latino- Americana sobre Dívida, Desenvolvimento e Direitos (Latindadd), em parceria com o Instituto Justiça Fiscal do Brasil, chamado “Subfaturação no Setor de Mineração no Brasil Evade US$ bilhões do Orçamento Público”, mostrou o modus operandi das mineradoras que atuam no Brasil para aumentar ainda mais seus exorbitantes lucros.

Evasões Fiscais, desvios e sonegação de impostos e, principalmente, transferência da renda pública gerada pela atividade mineradora para os capitais privados de empresas nacionais e transnacionais do ramo, seria um método utilizado corriqueiramente no país.

O estudo aponta um déficit de US$ 2 bilhões deixados de arrecadar para o povo brasileiro com a exportação de minério de ferro por tais práticas ilícitas só no estado de Minas Gerais.

Entretanto, juntado a Lei Kandir, promulgada nos anos de 1990 pelo então presidente Fernando Henrique Cardoso, que isenta as mineradoras de tributos as operações relativas à circulação de mercadorias e serviços (ICMS), principalmente destinados à exportação, soma-se ainda em Minas Gerais nos últimos vinte anos uma desoneração aos cofres público de um montante próximo de R$ 135 bilhões de reais.

O Pará, no mesmo período, o segundo estado minerador depois de Minas Gerais, a Lei Kandir provocou um rombo nas contas públicas de aproximadamente R$ 25 bilhões de reais, num Estado onde habitam 8 milhões de pessoas e mais de dois milhões vivem abaixo da linha da pobreza.

“Podemos dizer que está em curso no Brasil além de um saque de minerais promovidos pelas transnacionais,  o objetivo de se apropriar dos recursos públicos para ampliar a capacidade de acumulação capitalista dessas empresas”, comenta Caroline Gomide, Geóloga e professora da Universidade Nacional de Brasília (UNB).

 

A Amazônia é o jardim do quintal

A mineração na Amazônia Brasileira é a face mais perniciosa na teia de relações de  apropriação de renda pública pelo capital privado das mineradoras, além do esquema de venda de minérios mais baratos para subsidiárias das próprias empresas para outros países para obter vantagens lucrativas e sonegar impostos.

Pesquisas do Instituto de Estudos Socioeconômicos (INESC) apontam vários fatores dessa trama, pois os valores agregados dos incentivos concedidos entre 2007 e 2014 pela SUDAM (Superintendência de Desenvolvimento na Amazônia) alcançaram R$ 16,5 bilhões destinados paras as mineradoras.

A Mineração Rio Norte é um claro exemplo: considerando uma estimativa do Imposto de Renda de Pessoa Jurídica devido em R$ 16,12 milhões, é possível concluir que os incentivos recebidos pela empresa para explorar bauxita em Oriximiná, no Pará, somam valor próximo a R$ 12 milhões ao ano. Em dez anos, tempo da concessão do incentivo, esta mineradora adicionaria em torno de R$ 121 milhões de recursos públicos ao seu capital.

A Mineradora Rio Norte não é apenas um capital brasileiro, ela é subsidiaria das maiores mineradoras do mundo: Vale 40%, Alcoa 20%, CBR 10%  BHP Billiton 13%; Rio Tinto 12% e Hydro 5%.

Todas essas empresas lucram, portanto, através do conhecido transfer pricing (quando a empresa vende para outra coligada dela fora do país a um preço abaixo do mercado), como já mencionado pela documento da (Latindadd).

“ Na Amazônia se ganha muito para as empresas minerarem”, diz Jorge Neri do Movimento pela Soberania Popular na Mineração (MAM) de Parauapebas -PA.

Apenas a Vale abocanhou 70 % do valor de R$ 506,96 milhões que foi distribuído para as mineradoras que atuam na Amazônia via SUDAM entre 2007 e 2012. Injetados na espoliação altamente lucrativa do ferro e cobre, por exemplo, de Carajás.

 

O caso emblemático de Catalão (GO)

Um dos casos mais emblemáticos de sonegação do principal imposto em contrapartida da atividade mineral, Compensação Financeira pela Exploração Mineral (CFEM), ocorre no município de Catalão, interior goiano, a 300 quilômetros da capital federal.

Lá onde está uma grande parte de reserva de nióbio do mundo, além da exploração de fosfato, as mineradoras não pagam a CFEM há dez anos, desde que a Prefeitura moveu um processo contra as mineradoras em 2007, para cobrar devidamente pelo imposto, que já era sonegado pela Vale Fertilizantes e Anglo American.

Estima-se que a dívida chegue a quase 100 milhões de reais. “Dinheiro que daria para fazer muita coisa, como construir um hospital decente para cidade, creches, moradias populares”, cobra Jarbas Vieira, militante do Movimento Pela Soberania Popular na Mineração.

Sem pagar devidamente o CFEM, as mineradoras ainda foram notificadas por uma multa no valor de R$ 28 milhões. De acordo com a Secretária de Meio Ambiente de Catalão (SEMMAC), ambas as empresas seriam as responsáveis pela poluição que em Catalão já foi apelidada de “cheiro de baratas”. Entretanto, a multa aplicada em fevereiro de 2015 foi ignorada pelas mineradoras que não pagaram até o momento o valor cobrado pela Prefeitura.

A contaminação do ar e do solo causado pelas mineradoras levou Catalão, segundo estudos realizados pelo Instituto de Ciências Biológicas e da Saúde da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), a ser a cidade com maior incidência de câncer no estado de Goiás.

Segundo levantamento do Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM), Catalão seria apenas um dos municípios em que a Vale não paga a CFEM. O órgão acusa a mineradora de dever cerca de R$ 5 bilhões sonegados constantemente no pagamento do imposto.

 

Agregados da construção civil

Por fim, outro caso escandaloso está ligado ao grupo Votorantim. Uma das famílias mais ricas do país, produz em média 26 milhões de toneladas de cimento no Brasil e na América do Norte e vende brita e areia para 17 estados brasileiros. Além de ser um dos principais responsáveis pela exploração de areais e cascalho na América Latina.

No entanto, a sonegação da CFEM seria uma recorrente quando da exploração dos chamados agregados da construção civil, além de uma cadeia produtiva movida por um mercado de trabalho extremamente precarizado.

“No Brasil diariamente são minerados mais de 80 bens minerais em mais de dois mil e duzentos municípios, porém estima-se que aproximadamente mil e duzentos municípios minerados não recebam a CFEM, sobretudo esses ligados a construção civil, principalmente pela fata de fiscalização dos órgãos  responsáveis”, expõe Lourival Andrade do Instituto Brasileiro de Educação, Integração e Desenvolvimento Social (IBEIDS).

Seja em Minas Gerais, no Pará ou no Goiás, os três principais estados mineradores atualmente, a prática permanece a mesma. “Precisamos mudar essa relação das mineradoras com o setor público, e fazer garantir que o povo ganhe com esse recurso que é finito e pertence ao povo brasileiro”, conclui Jarbas Vieira.

Por Márcio Zonta, do MAM/Fotos: Marcelo Cruz