Parte dos municípios minerados possuem indicadores socioeconômicos muito desiguais se comparados à quantidade de riqueza gerada pelo capital mineral

Por Ananda Ridart, da página do MAM

O uso indevido da Compensação Financeira pela Exploração Mineral (CFEM) na contratação do show milionário de Gusttavo Lima na cidade de Conceição de Mato Dentro, em Minas Gerais, no final do mês de maio, ganhou repercussão negativa em toda a mídia brasileira. O dinheiro que deveria ser destinado ao desenvolvimento do município e bem-estar da população foi gasto em um cachê de R$ 1,2 milhão para o show do cantor sertanejo, que mesmo com o cancelamento do show ainda embolsou R$ 600 mil devido à quebra de contrato da prefeitura.

Mas afinal, o que é a CFEM?
A Compensação Financeira foi estabelecida pela Constituição Federal de 1988 como uma contrapartida financeira paga pelas empresas mineradoras à União, aos Estados e Municípios pelo uso dos bens minerais no território, já que são bens não renováveis e podem acabar. Em 2017, foi criada a Lei 13.540, que inclui a compensação menor para os municípios que são atravessados por uma ferrovia, mineroduto, que possuem uma barragem ou qualquer outra infraestrutura associada à mineração, já que também sofrem impactos com a atividade.

Da tributação da CFEM, 60% do valor fica com o município minerado. As alegações do prefeito de Conceição de Mato Dentro (MG), Zé Fernando (MDB), para o uso da CFEM no show é de que não há restrição para o uso do recurso. Contudo, a Agência Nacional de Mineração esclarece que a CFEM deve ser utilizada apenas em “projetos que, direta ou indiretamente, revertam em prol da comunidade local, na forma de melhoria da infraestrutura, da qualidade ambiental, da saúde e educação”. Isso significa que o uso deve ser exclusivo para a melhoria da infraestrutura do município, da sua qualidade ambiental, da saúde, da educação e incentivo a outras formas econômicas que não seja a mineração.

Mesmo com a CFEM, territórios minerados são subdesenvolvidos

As empresas obtêm lucros altíssimos com a exploração minerária nos territórios brasileiros. Porém, dos 10 municípios com maior Índice Firjan de Desenvolvimento Municipal (IFDM), apenas três municípios minerados alcançaram um bom índice: Parauapebas, Paragominas e Canaã dos Carajás, todos no Estado do Pará. E, mesmo assim, os resultados ainda são baixos para a geração de renda, sem contar os altos índices de violência e pobreza – nenhum município mi­nerado está entre os seis mais bem colocados em geração de empregos no Pará.

Para Gilliard Silva, professor de Economia da Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará (Unifesspa) e um dos coordenadores do Projeto De Olho na CFEM, a mineração é uma atividade econômica com hiperconcentração de renda aqui no Brasil e baixa capacidade de diálogo com outras atividades econômicas das proximidades do território minerado, trazendo dificuldades para se pensar outras possibilidades viáveis economicamente na região.

“A CFEM é a ponta do iceberg de um problema maior que é a mineração industrial no Brasil. A atividade econômica é responsável pela produção da maior parte de minério de ferro do mundo, temos que melhorar o controle social sobre esta atividade, melhorar a taxação da atividade, tem que de fato taxar em alguma medida o lucro da mineração e reverter em diversificação da atividade produtiva local”, explica o economista.

Até mesmo Conceição do Mato Dentro, que encerrou o ano de 2020 em terceiro lugar no ranking de arrecadação da CFEM, com uma destinação de R$ 201,4 milhões, possuía no mesmo ano 40% da população na pobreza e 32% na extrema pobreza. Para Gilliard, o saldo positivo que devemos tirar da polêmica sobre o show do cantor Gustavo Lima é justamente a necessidade de tornar pública a discussão sobre controle social, orçamento público, transparência e acessibilidade do orçamento para o cidadão.

Edição: Coletivo de Comunicação Nacional do MAM