*Nota das entidades que compõem a Articulação Antinuclear do Ceará

IBAMA, NÃO LICENCIE O PROJETO SANTA QUITÉRIA!

Há mais de quinze anos, os diversos povos do Sertão Central do Ceará gritam que querem continuar com seus modos de bem viver, em seus territórios livres da mineração. Os Povos Indígenas, Quilombolas, Povos de Terreiro, Pescadores(as), Assentados(as) da Reforma Agrária e comunidades do campo e da cidade se juntam a movimentos sociais, pesquisadores(as), parlamentares, organizações militantes por direitos para dizer NÃO ao Projeto Santa Quitéria (PSQ), que tenta, pela terceira vez, conseguir a licença ambiental para minerar urânio e fosfato, visando alimentar o ciclo da energia nuclear e a produção de commodities pelo agronegócio.

Celebramos a força da luta popular ao ver que os argumentos que construímos para “deixar o dragão dormir”, em diálogo com a população ameaçada e consignados no documento produzido pelo Painel Acadêmico sobre a mineração de urânio e fosfato em Santa Quitéria, apresentados com vigor e profundidade nas Audiências Públicas (Junho de 2022), estão sendo reconhecidos, referendados e expandidos pelo Conselho Nacional de Defesa dos Direitos Humanos (CNDH), pelo Ministério Público Federal (MPF) e, mais recentemente, por analistas técnicos e alguns coordenadores do próprio Ibama, que consideraram o empreendimento (mina de Itataia) inviável ambientalmente, não devendo ser concedida a Licença Prévia.

Analisando os diversos e graves problemas apontados no Relatório da Missão do Conselho Nacional dos Direitos Humanos, realizada em conjunto com a Plataforma DHESCA, o Ministério Público Federal,

“RESOLVE RECOMENDAR ao Presidente do IBAMA, sr. Eduardo Fortunato Bim, extensível a quem quer que o substitua em atribuição, com vistas a prevenir responsabilidades civis, administrativas e criminais e evitar eventuais demandas judiciais para responsabilização das autoridades competentes, que: se abstenha de conceder qualquer tipo de licença ambiental ao Projeto Santa Quitéria, do Consórcio Santa Quitéria, até que o MPF receba e analise uma avaliação técnica do IBAMA sobre todas as questões levantadas no “Relatório da Missão Santa Quitéria-CE: violações de direitos humanos na mineração de urânio” elaborado pelo Conselho Nacional dos Direitos Humanos, bem como das demais questões constantes da presente recomendação.

Destacamos a seguir seis pontos que consideramos mais relevantes da análise realizada pelo Ibama, no documento mencionado:

1. Ibama reconhece invisibilização e violação aos direitos das comunidades originárias e tradicionais:

Ainda no ano de 2022, o Painel Acadêmico sobre os riscos da mineração e o CNDH, com base na articulação e diálogo com os povos originários e comunidades tradicionais na região que seria potencialmente impactada pela mineração e transporte previstos no projeto, emitiram pareceres expondo a invisibilização dessas comunidades, bem como a ausência de Consulta Prévia, Livre e Informada sobre o empreendimento, assegurada pela Convenção nº 169 da Organização Internacional do Trabalho, da qual o Brasil é signatário. Cabe notar, ainda, que, no parecer construído pelo Painel Acadêmico, foi pontuada a existência de pelo menos 200 povos tradicionais e indígenas que tiveram seus direitos violados.

A despeito de terem sua existência reiteradamente negada pela Funai, os povos originários que tradicionalmente ocupam as Terras Indígenas Serra das Matas, Kanindé, Anacé e Karão Jaguaribara, assim como as comunidades tradicionais, marcaram presença nas audiências públicas e levaram o Ibama a reconhecer oficialmente que as Comunidades Tradicionais e os Povos Indígenas não foram considerados no diagnóstico, na análise integrada do projeto e nem na avaliação de impactos. O Ibama considerou, portanto, que não houve atendimento ao Termo de Referência e que não há condições de avaliar a incidência de impactos diretos sobre aquelas comunidades e seus modos de vida, inclusive em relação à saúde, à segurança e à economia local.

2. Ibama reconhece que a fragmentação entre o licenciamento ambiental e nuclear não permite garantir a viabilidade técnica e a segurança nuclear do PSQ:

Alertamos, reiteradamente, que não havia condições de avaliar adequadamente a viabilidade ambiental do PSQ sem a necessária articulação com o licenciamento nuclear, já que a radiação ionizante é o mais grave risco associado ao empreendimento, do ponto de vista da saúde pública. Após muitos questionamentos, o Ibama reconhece o indispensável vínculo entre o licenciamento ambiental e as avaliações realizadas pela Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN), sobre a viabilidade técnica e a segurança nuclear da rota tecnológica de separação entre o urânio e o fosfato, o que não ocorreu ao longo do processo de licenciamento.

Em manifestações recentes no processo de análise do estudo de impacto ambiental, as coordenadorias do próprio Ibama recomendam, inclusive, que qualquer novo estudo ambiental seja apresentado após a manifestação da CNEN, para que a equipe técnica possa analisar devidamente o projeto.

3. Ibama reconhece que a viabilidade hídrica do PSQ não está comprovada:

O projeto pretende consumir 855.200 litros de água por hora (equivalente a 95 caminhões-pipa por hora, enquanto algumas comunidades da região, que há anos reivindicam uma adutora, recebem em torno de 26 a 36 caminhões-pipa por mês), o PSQ conseguiu do governo do Ceará uma outorga preventiva e o compromisso de construir uma adutora a partir das águas do Açude Edson Queiroz (que custaria mais de 100 milhões de reais), obra que também estaria sendo licenciada de forma fragmentada, pela Semace.

O Ibama considerou inadequados os limites estabelecidos como Área de Influência Direta, já que o Açude Edson de Queiroz não está incluído nela, apesar de sua importância para o abastecimento hídrico da região, o exercício de atividades pesqueiras e o próprio abastecimento do projeto.

4. Ibama considera inadequada a definição da Área de Influência Indireta (AII):

Avalia que a definição da Área de Influência Indireta (AII) dimensionada pelo Projeto é inadequada para o meio socioeconômico, pois considera municípios menos representativos em detrimento de outros de maior importância regional, tal qual a consideração do município de Madalena e a não consideração de Sobral, por exemplo. Isso reverbera no que estamos alertando desde o princípio: que o PSQ poderá, sim, afetar os municípios que compõem o Sertão Central, Região Norte e pelo menos parte da Região Metropolitana de Fortaleza.

5. Ibama reconhece insuficiência da análise da biota:

De acordo com a análise do Ibama, o estudo referente aos impactos ao meio biótico falhou ao não seguir o Termo de Referência, já que realizou a campanha para coleta de fauna (terrestre e aquática) em um momento em que não representou a estação chuvosa, tornando inviável a comparação de resultados entre duas estações distintas. De tal forma, pode-se dizer que o estudo, no que diz respeito ao estudo da fauna, em grande parte se encontra enviesado e foi contra diretrizes básicas de avaliações de impacto ambiental – a exemplo daquelas adotadas na Resolução nº 1 de 1986 do Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA).

6. O documento do Ibama evidencia alguns posicionamentos diferentes entre setores e níveis hierárquicos da instituição:

A Coordenação de Licenciamento Ambiental do Ibama, acertadamente, além de recomendar diretamente a reprovação do Estudo de Impacto Ambiental (EIA-RIMA), pontua que a empresa deverá abrir um novo processo de licenciamento caso queira solicitar uma nova avaliação para o PSQ, dada a severidade das insuficiências identificadas. Entretanto, o mesmo entendimento não foi compartilhado pela Coordenação Geral e pela Diretoria, que alegaram que apenas a complementação no licenciamento já existente seria suficiente com base na Resolução nº 237, do CONAMA de 1997, que regulamenta aspectos do licenciamento ambiental.

Ironicamente, entretanto, a mesma resolução do CONAMA determina que a solicitação de esclarecimentos e complementações só pode ser realizada uma única vez e, como pode ser verificado na íntegra do processo de licenciamento, já ocorreram diversas complementações desde o seu início em 2020. Por conclusão lógica, é imperativa a reprovação do licenciamento atual.

Estamos a um passo da vitória, que é representada pela não concessão da licença prévia a este projeto de morte que é o PSQ. Pelas vidas do semiárido, Ibama, não licencie!