Mesa temática abordou os desafios das organizações populares na luta contra a crise climática e os conflitos que são gerados pela transição energética

Por Helenna Castro (Comissão Pastoral da Terra Regional Bahia – CPT/BA)

 

Nos debates ocorridos durante o primeiro dia do II Encontro Nacional do MAM, em Fortaleza (CE), foi realizada a mesa temática “Crise Climática e Transição Energética: Quais os desafios e contradições considerando a luta popular?”, que contou com as colaborações da companheira Soraya Tupinambá, ativista da Ecologia Política e pesquisadora da Fiocruz do Ceará, e do companheiro Gustavo Seferian, professor da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).

A pesquisadora apontou que 83% da matriz energética brasileira já é predominantemente renovável, com as fontes hidrelétricas representando cerca de 64% do total. Já as fontes eólicas e solares, juntas, que são a causa de vários conflitos nos territórios camponeses, somam apenas 10,7%.

O que motivaria, portanto, os movimentos de entrada nos territórios e investimentos do capital – predominantemente internacional – no desenvolvimento de usinas eólicas não seria derivado do interesse em uma “transição energética” para diminuir os impactos da produção de energia no meio ambiente, mas sim, de um interesse econômico que veio, em sua maioria, da Europa, que sofre com a baixa oferta de gás devido aos conflitos bélicos entre a Ucrânia e a Rússia.

“Que transição energética é essa da qual estamos falando? Pois vamos começar dizendo de quem ela é: ela não nos pertence. Estamos falando de transição energética, principalmente, do continente europeu. Atualmente, a energia é um dilema, um fator crítico para o desenvolvimento do capital, e isso ficou marcado pela guerra da Ucrânia com a Rússia, que é uma disputa comercial pelo gás natural”.

Foto: Lucas Assunção/@lucassuncaoo

Tupinambá questionou, inclusive, o uso das expressões “transição energética” e “parque eólico”. Segundo ela, os termos que mais representam o que acontece, na prática, seriam “transação energética” e “usinas eólicas”, pois demarcam os verdadeiros interesses dessas indústrias, que são meramente financeiros. “Ao invés da transição que eles dizem, nós vamos viver a transação energética”, pontuou.

Outro fator ressaltado pela pesquisadora da Fiocruz foi de que o discurso em torno da ampliação da instalação de usinas eólicas oculta os diversos conflitos que são gerados com as populações locais, quer seja no território em si, com a grilagem, o desmatamento e a expulsão de comunidades, quer seja impactando negativamente na saúde da população, com o aumento do número de casos de diversas patologias entres os afetados, como ansiedade e pressão alta. 

Já a produção de energia solar pode causar aumento de temperatura nas regiões em que as placas são instaladas em grandes quantidades, produção de resíduos tóxicos, entre outros. “Isso tem acontecido em unidades de conservação, territórios quilombolas, indígenas, assentamentos de reforma agrária, mas também com povos tradicionais que não têm seus direitos reconhecidos”, pontua.

Soraya ressaltou a importância de pensarmos um projeto de energia soberana e parabenizou o Movimento pela Soberania Popular na Mineração por realizar um encontro desta magnitude, proporcionando o intercâmbio entre comunidades, em suas diversas realidades e biomas brasileiros.

Foto: Lucas Assunção/@lucassuncaoo

Já o professor Gustavo Seferian, da UFMG, afirmou que vivemos o colapso do sistema capitalista, que gera um constante senso de urgência, mas que não podemos permitir que este senso cause desespero, e sim, nos estimule, já que o povo organizado cria suas alternativas de luta.

“Vivemos um senso de urgência da luta social e da transformação radical e revolucionária das nossas vidas, que nenhuma outra geração já vivenciou. Nós não temos tempo a esperar. Nenhum companheiro ou companheira deve esperar para se organizar e conduzir os seus enfrentamentos, porque a escala de aceleração e destruição da vida nunca foi tão intensa quanto nos dias atuais”.

Foto: Lucas Assunção/@lucassuncaoo

O professor afirmou que nossa geração vive um colapso do capitalismo industrial, moderno e ocidental, que coloca em risco a perpetuação de todas as formas de vida presentes no nosso planeta. “A história nos mostra que nenhuma revolução social foi feita por uma classe social única, uma fração de classe, um agrupamento político ou um partido. Todas elas foram plurais”, afirmou.

Outro ponto ressaltado pelo professor é a necessidade de internacionalizar nossos processos de luta já que, ao ter a percepção da totalidade, fica evidente a correlação entre os conflitos e problemáticas enfrentadas pelos diversos povos. Além disso, é essencial uma redução desigual dos gastos energéticos a nível mundial, tendo em vista que é no norte global, mais precisamente nos países imperialistas, que o consumo tem que ser reduzido drasticamente.

Segundo Gustavo, algumas ocupações deveriam ser extintas. “Não queremos mais trabalhadores na produção energética com a queima de carvão, em minas subterrâneas correndo risco e esse horizonte de morte extrativo de trabalhadores e trabalhadoras, como em Santa Quitéria, aqui no Ceará. Para isso, a gente tem que pensar política social para uma transição efetivamente justa, para garantir a renda daqueles que, por décadas na vida, ou por um mês que tenha sido, se entregaram ao empreender”. 

O professor finalizou sua fala saudando o MAM por ser uma “escola da luta popular autônoma e independente, que guia suas ações ecologicamente em sua construção histórica e política” e finalizou sua fala recitando a epígrafe de uma das Antologias poéticas do padre revolucionário sandinista Ernesto Cardenal: 

“Olhai a lua, as árvores da floresta, para saber quando haverá uma mudança de poder.

Meu dever é ser intérprete

Vosso dever (e o meu)

É nascer de novo”

 

Movimento pela Soberania Popular na Mineração