Por: Nayara Campos

O rompimento do teto da Mina 18, às 13h15 de 10 de dezembro de 2023, marcou mais um capítulo do maior desastre urbano provocado pela mineração. Localizada no bairro do Mutange, em Maceió (AL), a estrutura integra um complexo de cavidades escavadas desde a década de 1970 pela Braskem, destinado à extração de sal-gema em escala industrial. A ruptura, transmitida ao vivo pela Defesa Civil, reafirmou a dimensão de um colapso  que já vinha transformando a capital alagoana havia mais de sete anos, expondo novamente a fragilidade de um modelo mineral baseado na exaustão, na ausência de transparência e na desigualdade de poder entre empresas e comunidades atingidas.

Foto: Maíra Erlich / National Geographic Society

Para especialistas e moradores, o incidente não representou uma fatalidade. Pelo contrário: reforçou aquilo que já vinha sendo denunciado desde os primeiros tremores de 2018, que o processo de instabilização do solo em Maceió é fruto direto de décadas de exploração mineral intensiva, marcada por falhas de fiscalização, omissão estatal e priorização de interesses econômicos sobre direitos humanos e segurança coletiva. O rompimento físico da mina mostrou, mais uma vez, o rompimento anterior de todas as estruturas de prevenção, controle e responsabilidade socioambiental.

A percepção de que o rompimento era inevitável não surgiu de forma repentina. Nos dias que antecederam o colapso, tremores no Condomínio Morada das Árvores e relatos de estalos, vibrações incomuns e sensação de instabilidade aumentaram a tensão dos moradores, que se sentiam desinformados sobre a gravidade do que ocorria. Muitos relatam que  a comunicação da Defesa Civil foi insuficiente ou tardia, sem protocolos amplamente divulgados que orientassem as famílias sobre como agir em caso de agravamento do cenário. A evacuação imediata de algumas áreas, conduzida de forma abrupta, contribuiu para a sensação de vulnerabilidade e abandono.

Um estudo do campo da psicologia realizado durante o período registram depoimentos que evidenciam o impacto emocional coletivo. Moradores descrevem que, enquanto aguardavam informações oficiais, “as pessoas estavam com medo de morrer”, e que a cidade parecia “respirar medo” diante do desconhecido. Essa pesquisa destaca frases como “a gente não sabe a dimensão do perigo” e “ninguém sabe se a gente está morto e não sabe” como expressões recorrentes durante a iminência do rompimento, revelando o grau de desorientação, incerteza e trauma vivenciado pela população.

Em percursos realizados pelos bairros atingidos registram ruas silenciosas, casas esvaziadas, postes apagados e uma atmosfera descrita por moradores como “fim de ciclo”, como se a paisagem da cidade anunciasse que algo profundo havia sido irremediavelmente rompido no tecido urbano, comunitário e emocional dos moradores.

Foto: Maíra Erlich / National Geographic Society

Essa percepção de descontinuidade é reforçada pelo relato de moradores que vivenciaram tanto o desastre inicial quanto o colapso da Mina 18. Ely Daniel dos Santos Silva, integrante do MAM Alagoas e afetado direto da mineração descreve sua experiência afirmando que “as pessoas estavam desnorteadas, sem saber o que iria acontecer”, e que a ruptura foi usada como uma “cartada de mestre” para desviar o foco da responsabilidade empresarial e transformar “o crime da Braskem” em “o caso da Mina 18”. Para ele, a empresa conseguiu influenciar emocionalmente a população em um momento de fragilidade e medo coletivo, deslocando o debate e diluindo a responsabilização direta.

Além das dimensões emocionais, o desastre provocou mudanças estruturais profundas na cidade. O deslocamento forçado de cerca de 60 mil pessoas redesenhou bairros inteiros, gerou vazios urbanos, abandonou ruas ao escuro e alterou redes comunitárias historicamente consolidadas. Pequenos comércios desapareceram, escolas perderam seus alunos, e espaços de convivência cotidiana se tornaram áreas desertas. A vida urbana foi fragmentada, e o deslocamento massivo gerou novos desafios socioeconômicos em regiões para as quais essas famílias foram realocadas.

O impacto territorial também se refletiu na intensificação de conflitos. O Relatório Anual Conflitos da Mineração no Brasil (2024) afirma que “Maceió se tornou o município com mais ocorrências de conflitos no país, 42 em 24 localidades, superando Brumadinho” (p. 4). Esses dados mostram que a tragédia não apenas alterou a geologia da cidade, mas também reorganizou sua dinâmica social e política. A relação entre moradores, Estado e empresa se deteriorou, criando um ambiente de desconfiança generalizada, reivindicações judicializadas e sensação de injustiça histórica.

Foto: Maíra Erlich / National Geographic Society

A ausência de respostas claras e de garantias de segurança segue como um dos principais fatores de angústia. Muitas famílias afirmam que, embora tenham sido “reassentadas”, não receberam informações suficientes sobre riscos futuros.. As incertezas permanecem: haverá novos afundamentos? O solo voltará a ceder? A cidade e as pessoas poderão recuperar suas áreas, agora destruídas? Qual será o futuro do território? E nossa cultura? Saúde Mental? E convívio comunitário?

Na época, 2023, enquanto havia a incerteza sobre o rompimento/colapso da mina, pesquisadores da Universidade Federal de Alagoas (UFAL), Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Universidade Federal do Rio Grande do Sul(UFRGS) e do Centro Universitário de Maceió (UNIMA) lançaram uma Nota Técnica sobre a Crise Humanitária em Maceió (2024), que caracteriza o cenário como “uma crise social complexa, marcada por deslocamentos forçados, insegurança e profundo impacto no bem-estar físico e emocional das famílias afetadas”. Segundo o documento, a resposta estatal permanece fragmentada e insuficiente, reforçando a necessidade urgente de políticas de proteção social contínuas e de reparação integral às populações afetadas. Realidade que ainda persiste, mesmo após 2 anos.

Foto: Maíra Erlich / National Geographic Society

O caso da Mina 18 expõe o esgotamento de um modelo mineral sustentado por práticas extrativistas que priorizam o lucro e externalizam prejuízos, por isso a importância de relembrar esse incidente crítico.  Um modelo que já não sustenta seus próprios pilares e que se torna cada vez mais incompatível com cidades vivas, com direitos humanos e com o futuro das populações que vivem sobre e ao redor dos territórios minerados. Para muitos, a luta agora é por reparação, por memória e por um outro caminho possível para a relação entre sociedade e mineração um caminho que coloque a vida, e não o lucro, no centro das decisões.

Nayara Rita Cardoso Campos é psicóloga, mestra em Psicologia, pós-graduada em Saúde Mental e pós-graduanda em Gestão das Emergências e Desastres. Atua em contextos de vulnerabilidade socioambiental, com foco em escuta ampliada, mobilização comunitária e apoio psicossocial em emergências e desastres. Desenvolve práticas voltadas à articulação territorial e fortalecimento comunitário.

 

 

Movimento pela Soberania Popular na Mineração