A máfia mineral descoberta em MG pode acontecer em outras cidades mineradas do país e pode se agravar com o PL da Devastação; mais impactos nos territórios e na saúde vem por aí…
Por Márcio Zonta – Comunicação nacional do MAM
As empresas Ferro Sul Mineração / SA e Irontech Mineral LTDA, denunciadas na Operação Rejeito, em setembro desse ano pela Polícia Federal, que revelou uma trama entre órgãos do meio ambiente e mineradoras para conseguir licenças de operação, atuam em outros estados.
A mineradora Ferro Sul mineração / SA, com sede em Nova Lima (MG), que foi fundada em 2020, tem pesquisa ativa concedida pela Agência Nacional de Mineração (ANM) para pesquisar cobre e ouro em Canaã dos Carajás (PA).
Além dela, outra mineradora envolvida no escândalo em Minhas Gerais é a Irontech Mineral LTDA, com sede na cidade baiana de Alagoinhas, onde tem autorização de pesquisa permitida pela ANM, de minério de ferro e manganês. A empresa foi fundada em 2012 e usa também o nome fantasia de Global Tecnologia em Logística.
Subsídio estatal
Ambas, as mineradoras, são consideradas de pequeno porte por estudiosos do setor mineral, o que denotaria uma proliferação dessas empresas para aproveitar os subsídios governamentais para mineração no Brasil, lançados ultimamente.
É o que explica o professor da Universidade Federal de Viçosa (UFV), Tadzio Peter Coelho: “O fato é que mesmo essas operações ilegais ou atos ilícitos que essas empresas tem recorridos nos últimos tempos, como a gente viu na Operação Rejeito, é bem verdade que existe uma estrutura financeira, estatal e econômica que fornece a possibilidade dessas chamadas pequenas empresas se expandirem pelo Brasil, tanto pela flexibilização das licenças ambientais que ocorre em todo país, como pelos financiamentos de bancos públicos”.
As mineradoras podem recorrer aos editais abertos pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e por meio da Financiadora de Fundos e Projetos (FINEP), órgão do governo federal. As duas lançaram esse ano, aproximadamente 5 bilhões de reais, para linha de crédito de exploração mineral no país, sobretudo, voltado para exploração dos chamados minerais utilizados para transição energética, como cobre, lítio, cobalto, ferro, entre outros.
Ademais, em outubro passado, no Invest Mining Summit 2025, evento que ocorreu em São Paulo e que reúne empresas minerais de todo mundo para tratar de negócios, o BNDES em parceria com a multinacional Vale, apresentou um fundo para investir em empresas júnior de mineração no valor inicial de R$ 3 bilhões.
“Isso na verdade atraí uma espécie de empresários aventureiros, que se quer tem capital para instalar uma mina, mas com os empréstimos começam a abrir minas em muitos lugares, e muitas vezes eles nem pagam esses empréstimos. Nós estamos vendo isso acontecer em vários lugares em MG e em outros lugares do Brasil”, denuncia Coelho.
Mesmo modus operandi?
Para Julia Sanders, militante do Movimento pela Soberania Popular na Mineração – MAM, em Belo Horizonte, a pergunta que fica é se o modo de atuação dessas empresas com regalias ilegais do Estado, em MG, se repete em diversos lugares.
“Isso é grave, ver empresas que atuavam ilegalmente em MG se expandir pra outros estados. Embora a Operação Rejeito mostre que os crimes dessas mineradoras estavam enraizados na Secretaria de Meio Ambiente do estado de MG, ela também mostra que havia envolvidos da ANM nesses processos ilícitos, que podem ter facilitados a aquisição desses direitos minerários de pesquisas em outros estados do Brasil. Isso precisa ser investigado!”
A Integrante do MAM defende que a Operação Rejeito dê continuidade para que novos crimes e esquemas de corrupção das mineradoras venham à tona.
“É necessário que a Operação Rejeito avance, pois podemos ter muito mais pessoas envolvidas nessa trama, como deputados federais, o próprio governo Zema. O Fator Zema que promoveu um desmonte ambiental em MG ajudou a contribuir com essa proliferação de mais de 40 empresas atuando irregularmente em MG, e o que também, na minha opinião, motivou o PL da Devastação”, define.
Mineração agradece ao PL da Devastação.
Coelho destaca três pontos preocupantes, na visão dele, que abarcam a mineração no chamado PL da Devastação aprovado no Congresso Nacional.
“O primeiro é uma espécie de um licenciamento ambiental especial no qual os empreendimentos entendidos como prioritários e estratégicos passariam a tramitar mais rápido de uma maneira mais acelerada em comparação a outros. Isso é bastante preocupante porque essa aceleração pode prejudicar diversos grupos sociais, que podem ser impactados e podem não serem consultados dentro desse processo”, comenta.
A segunda preocupação esboçada pelo pesquisador diz respeito ao chamado licenciamento por adesão, “no qual os empreendimentos considerados de médio porte passariam por um auto licenciamento, onde as empresas ficariam responsáveis pelo próprio licenciamento do seu projeto”.
Embora, ele mencione que de certa forma isso ocorra na mineração, onde as empresas executam os estudos dos impactos dos seus próprios projetos, isso pioraria.
“Vários empreendimentos poderiam ser considerados de médio porte na mineração, mas isso não significa que ele não causará impacto de menor escala, poque também causam grandes danos e impactos a natureza e a população”, explica.
Numa terceira questão, ele destaca que a relação com a Fundação Nacional do Índio (FUNAI) e Fundação Palmares sofrerá mudanças. Se antigamente todo empreendimento mineral dependia da consulta prévia dessas instituições como parte do projeto, agora não será mais necessário.
“Tem agora uma restrição no caso da consulta à FUNAI e na Fundação Palmares que passam a ser consultados somente em alguns casos, que é mais uma limitação dentro do processo decisório sobre um projeto minerador. Em suma a gente vê que é um ambiente antidemocrático, realizado uma semana depois do término da COP 30, não representativo aos interesses do povo brasileiro de maneira geral”, define.
Problema de saúde pública.
A atividade mineral se constituiu no Brasil como um problema de saúde pública para a médica Diele Amorim. Ela indica que o avanço da mineração é proporcional ao adoecimento das populações que vivem em áreas mineradas.
“É preciso discutir os problemas da saúde gerada pela mineração, para não ficar somente discutindo aspectos econômicos da mineração, pois ela é um problema público de saúde”.
A médica alerta, que muitos dos territórios adentrados pelas mineradoras sequer sofriam de doenças, que passaram a ser comum depois da instalação da atividade mineral.
“Enfermidades que não existiam nos territórios passaram a atordoar as populações tradicionais, que são as mais impactadas. E como não tem acesso a saúde pública digna viram migrantes buscando atendimento médico adequado nas cidades, o que muitas vezes não acontece e acabam morrendo”, exemplifica.
Ela cita hoje a contaminação dos rios pelas mineradoras como um dos principais vetores de doenças, principalmente, pelo consumo dos peixes.
“O peixe é uma das principais fontes de proteínas, por exemplo, de populações tradicionais, como indígenas e quilombolas. Os metais pesados ficam depositados nos tecidos dos peixes. As doenças começam a aparecer no sistema nervoso central com dores de cabeça constantes, problemas gástricos e intestinais, infertilidade e má formação congênita”, afirma.
Por fim, Diele deixa um recado, que considera importante para população brasileira em geral, diante dos agravos da crise ambiental no país. “Nós somos parte inerente da biodiversidade e dos ecossistemas, se eles não estiverem livres da destruição, provocadas pela mineração, nós não seremos saudáveis”, conclui.
Essa matéria é fruto do projeto: Ampliação das Ações Voltadas para Área de Mineração, Saúde e Territórios- Impactos da Extração Mineral – FASE IV, em parceria do Movimento pela Soberania Popular na Mineração (MA) e Fundação Oswaldo Cruz (FIOCRUZ)
Movimento pela Soberania Popular na Mineração
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