Para Cientista social da UFRJ, Monica Brukmann, essa tem sido a lógica perversa do capitalismo na chamada transição energética.
Por Mateus Brito (BA)
Na abertura do II Encontro Nacional do Movimento pela Soberania Popular na Mineração (MAM), a cientista política Monica Bruckmann (UFRJ) e a pedagoga Ayala Ferreira, da direção nacional do MST, trouxeram elementos importantes sobre o debate ambiental e a apropriação do capitalismo sobre os bens naturais, entre eles os minerais.
A plenária contou com aproximadamente duas mil pessoas vindos de várias regiões do Brasil, que puderam debater o panorama das transformações globais do sistema capitalista, os desafios colocados para a luta contra o avanço do modelo mineral no Brasil e a construção da soberania popular na mineração.
A professora Monica Bruckmann iniciou sua análise alertando que vivemos um tempo histórico de profundas transformações, marcado pela ascensão dos países asiáticos, especialmente a China, como os centros mais dinâmicos da economia mundial. Segundo a pesquisadora, “das dez maiores economias atuais, seis são países emergentes”, cenário que aponta a tendência de consolidação da China como maior potência econômica até 2050.
Para a professora, o papel da China se torna cada vez mais estratégico no atual jogo geopolítico. Ela destacou a nova rota da seda como o segundo maior espaço de articulação global, com 148 países, e o fortalecimento dos BRICS com a inclusão de potências petroleiras do Oriente Médio e do norte da África, avançando para um novo equilíbrio com os países do chamado norte global.
A estratégia imperialista para salvar as economias do grande centro e concorrer com a China tem se baseado na imposição de sanções econômicas, movimento que, segundo a cientista política, “tende a provocar tensões internas nos EUA”, uma vez que os objetivos do governo Trump de reindustrializar o país e de conter a inflação não só não se concretizaram, como têm se agravado.
Bruckman aponta que 33% da indústria de transformação hoje está na China, sendo observado uma queda do papel dos EUA nessa dinâmica produtiva. Outro indício do deslocamento do poder está no fato de que “a Europa não consegue crescer mais de 1% ao ano desde a pandemia e não haviam ainda se recuperado da crise de 2008.”
Associado a isso, vários países começaram a negociar suas transações sem usar o dólar, pautando inclusive um sistema alternativo ao SWIFT (Sociedade de Telecomunicações Financeiras Interbancárias Mundiais), rede global de transações financeiras controlado pelos países alinhados ao imperialismo estadunidense. Esses fatos apontam para um deslocamento do eixo de poder dos EUA, sobretudo para a China, que tem feito o esforço de garantir a estabilidade de sua moeda para o comércio mundial.
Ou seja, “o mundo mudou, mas às vezes o vemos com as mesmas lentes do período passado e essa mudança coloca duas questões na estratégia dos países dependentes: avançar com a China em uma reconfiguração capitalista ou aproveitar a crise para construir alternativas pós-capitalistas”, afirma Bruckman,
Mineração e transição energética
A professora da Federal do Rio de Janeiro, ainda analisou o papel da mineração na chamada “transição energética”, demonstrando como os “pactos verdes” entre EUA e Europa e a estratégia de desenvolvimento da China – baseadas em produção de energias renováveis, carros elétricos e reservatórios de energia – aumentam drasticamente a demanda por minerais estratégicos, como lítio, níquel e cobre.
Conforme a cientista, “descarbonizar o consumo no Norte global promovendo a destruição ampliada dos ecossistemas no Sul”. A título de exemplo, Bruckmann explica que as baterias dos carros elétricos demandam quantidades muito superiores de minérios do que os veículos convencionais.
Por fim, cientista política provocou o debate sobre a questão energética brasileira – grande produtor de energia limpa, como as hidrelétricas – comparando com a lógica de mercantilização da natureza e o avanço predatório do grande capital sobre os biomas. “O caráter agrário-exportador da economia brasileira apenas aprofunda a situação, tornando essa relação de dependência como o principal empecilho para o exercício da soberania nacional”.
O desafio que se coloca é “superar nossa condição primário-exportadora e romper com a relação de dependência subordinada com o centro do capital, mesmo que esse centro se desloque para a China.”
Crise do capital e ofensiva neofascista
Ayala Ferreira, do MST, complementou a análise de conjuntura, focando na espoliação da natureza, crise capitalista e seus reflexos para o povo brasileiro. A dirigente alertou que “o campo popular está em um momento de defensiva”, portanto em extrema dificuldade de lidar com as contradições concretas do sistema, como “a concentração de riqueza, a precarização do trabalho e a mercantilização da natureza, vendida com uma roupagem de sustentabilidade”, alerta.
Além do momento de defensiva, Ferreira destacou o crescimento das forças de extrema-direita, segundo ela com “um projeto estratégico de médio e longo prazo, fundamental para a manutenção do capitalismo, como a fragilização das democracias e repressão social que demonstram como as forças neofascistas atuam na sociedade e disputam a classe trabalhadora na batalha das ideias”.
Para Ayala, a questão ideológica é central: “precisamos não apenas resolver as condições materiais de vida, mas recolocar nosso projeto para a classe”. Segundo a dirigente, a classe trabalhadora está em uma “crise de identidade e de ferramentas de luta”
A dirigente do MST finalizou a sua contribuição recordando Dom Hélder Câmara que dizia que “quando os problemas se tornam absurdos, os desafios devem se tornar apaixonantes”. Para ela esse deve ser o espírito para a concretização do lema “lutar pelo território, controlar o subsolo” como tarefas urgentes para o MAM e todos os movimentos populares.
Movimento pela Soberania Popular na Mineração
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