Entre 24 e 28 de agosto, Fortaleza receberá mais de dois mil militantes da organização para o seu II Encontro Nacional

Por Erick Vasconcelos | Comunicação Nacional do MAM

 

O primeiro encontro nacional do MAM foi realizado em maio de 2018 em Parauapebas (PA) e foi um marco para organização que firmou o compromisso de organizar as populações afetadas pela mineração.

Na ocasião, a “Carta de Parauapebas” elaborada durante o encontro denunciou a Vale como a principal usurpadora dos bens minerais brasileiros e a principal responsável pelos crimes ambientais e trabalhistas no sistema mineral no país.

Como disse à época Karina Martins, militante do MAM, “Estamos realizando esse encontro num local emblemático onde nasceu o MAM, justamente pelas contradições impostas pela Vale, à natureza, aos trabalhadores e as comunidades”.

Oito anos depois, o MAM decide fazer seu II Encontro Nacional em Fortaleza com o lema: Lutar pelos Territórios, Controlar o Subsolo! O movimento passou a entender que o nordeste brasileiro é hoje alvo de intensas disputas pelo subsolo, se tornando o centro de um debate nacional sobre soberania, modelo mineral e organização popular.

“Quando se escolhe o Ceará como sede do II Encontro Nacional do Movimento pela Soberania Popular na Mineração (MAM), o que está em jogo vai muito além de uma questão logística ou geográfica. A decisão carrega densidade simbólica, política e estratégica”, explica Charles Trocate, um dos fundadores do MAM.

O estado cearense se tornou, nos últimos anos, uma das principais fronteiras de expansão mineral no Brasil, com mais de 5 mil pesquisas minerais em andamento, disputando cerca de 4 milhões de hectares de território — o equivalente a 36% de toda a extensão do estado, segundo dados da Agência Nacional de Mineração (ANM), sistematizados pelo Movimento pela Soberania Popular na Mineração (MAM) e citados por Brasil de Fato (2021)

Transição energética

O dirigente nacional do MAM do Estado do Ceará, Pedro D’Andrea, detalhou os motivos que colocam o Ceará no centro das preocupações do movimento. Para ele, o Nordeste como um todo tem se consolidado como a principal fronteira de expansão da mineração no país, especialmente por abrigar grande parte dos minerais estratégicos da chamada “transição energética”.

“O Nordeste tem se estabilizado como essa principal fronteira porque a maior quantidade de processos de pesquisa relacionados a minerais estratégicos estão aqui. Isso se intensificou de maneira significativa nos últimos dez anos”, afirma.

Segundo ele, o Ceará vive hoje um cenário de especulação mineral muito significativo, com destaque para o caso do município de Santa Quitéria, onde um projeto de mineração de urânio ameaça comprometer recursos hídricos suficientes para abastecer 150 mil pessoas por dia.

Além da exploração em si, Pedro aponta que há um conjunto de grandes projetos de infraestrutura sendo articulados no estado, como parte do esforço para viabilizar logisticamente essa nova etapa da mineração: “a Nordestina, o recapeamento de rodovias, e o Projeto Malha d’Água. Ainda que oficialmente destinados ao abastecimento humano, esses projetos coincidem geograficamente com as áreas de interesse das mineradoras”, aponta.

O avanço da mineração no Ceará não é isolado. Ele está inserido em uma reconfiguração global do papel dos minerais na economia capitalista, onde o subsolo assume centralidade nas disputas geopolíticas, principalmente diante da transição energética e do chamado “capitalismo verde”.

O dirigente do MAM no Ceará lembra que o país já conta com dois grandes sistemas minerais consolidados: o Sistema Norte, liderado por Carajás, e o Sistema Sul, marcado pela atuação em Minas Gerais e pelos desastres como o de Brumadinho. “Com o colapso de legitimidade desse último, o capital redireciona seus esforços para o Nordeste, onde o Ceará passa a ser um dos principais alvos do novo ciclo extrativista”, alerta Pedro.

Exemplo disso é o caso do lítio, um dos minerais mais cobiçados no cenário mundial. Atualmente, há cerca de 500 pesquisas em curso no Ceará, com mais de 100 empresas envolvidas apenas nessa frente, conforme dados da Agencia Nacional de Mineração (ANM).

“O estado do Ceará tende a se tornar um dos cinco que mais recebem a Compensação Financeira pela Exploração Mineral (CFEM) por causa do lítio nos próximos anos”, prevê Pedro.

A expectativa para o Encontro: aprofundar organização e formular um novo modelo mineral

A expectativa para o Encontro é grande, e Pedro D’Andrea destaca que ele se apresenta como um marco organizativo e político para o MAM, simbolizando a maturidade de um processo coletivo que se constrói há 13 anos, desde a ocupação dos trilhos da Ferrovia Carajás em 2012. Desde então, o movimento tem se expandido para diferentes regiões do país, consolidando-se como uma organização popular nacional de massas. Segundo ele, o Encontro reafirma o lugar do MAM na luta de classes dentro do problema mineral brasileiro, legitimando sua atuação no cenário político nacional.

“Esse encontro expressa a força política que temos construído. Ele consolida o MAM como uma organização popular de massas, com capacidade de formular, agir e disputar os rumos da mineração no Brasil a partir da base”, diz.

A expectativa é que o evento aprofunde a consolidação dos núcleos de base como estruturas vivas e permanentes do movimento, fortaleça a formação política da militância para enfrentar os desafios da intensificação da mineração nos territórios e avance na construção de uma pauta política e econômica popular, que seja capaz de responder às necessidades imediatas das comunidades afetadas sem abrir mão da crítica estrutural ao modelo vigente.

Para Pedro, “o MAM não deve ser apenas uma organização de denúncia, mas um instrumento pedagógico, formador e propositivo, que consiga apontar caminhos concretos para os problemas provocados pela mineração em cada território”, define.

“Lutar pelo território, controlar o subsolo”

O lema do Encontro, “Lutar pelo território, controlar o subsolo”, sintetiza o acúmulo político e teórico que o MAM tem construído ao longo dos últimos anos. Para os dirigentes nacionais do MAM, ele marca uma inflexão estratégica no campo da luta popular brasileira.

“Assim como as lutas do século XX resultaram na conquista da função social da terra, da água e da moradia, é chegada a hora de construir a função social do subsolo”, defende Pedro.

Ele lembra que, hoje, há mais de 20 mil assentamentos da reforma agrária com pedidos de mineração, e que não há na legislação brasileira mecanismos eficazes que limitem a exploração mineral em territórios rurais e urbanos, com exceção das terras indígenas — ainda assim ameaçadas por pautas regressivas no Congresso.

“A verdade é que, fora algumas restrições, não existe nada que possa frear a ganância do capital sobre o subsolo, se não for a organização popular. É isso que o MAM busca construir: um movimento que forme, organize e lute por um novo modelo mineral, baseado na soberania popular e na justiça social.”

A escolha do Ceará como palco do II Encontro Nacional do MAM é, antes de tudo, um gesto de coerência. O estado simboliza a encruzilhada entre dois projetos: de um lado, a mineração como instrumento de acumulação, destruição e concentração; do outro, a luta organizada por uma nova relação com a terra, com o território e com o subsolo.

Por isso, o MAM conta com a presença de mais de 2 mil militantes de 17 estados brasileiros, para discutir os desafios da conjuntura, as formas de enfrentamento ao modelo mineral vigente, propor uma outra perspectiva mineral visando o fortalecimento de um projeto de soberania popular para o país.

 

Movimento pela Soberania Popular na Mineração