Pilhas de rejeitos à seco da BAMIN. Foto: Ione Rochael/MAM

Por Coletivo de Comunicação do MAM-BA

Desde que foi implementada a reforma trabalhista, em 2017, temos acompanhado um cenário de insegurança para a classe trabalhadora quanto à garantia de estabilidade nos empregos, ao cumprimento da jornada de trabalho e à retaguarda jurídica, papel que cumpria os sindicatos. A extinção do Ministério do Trabalho, em 2019, e a gestão econômica do governo Bolsonaro-Guedes, colocou a classe trabalhadora ainda em piores condições, com o aumento do custo de vida, a perda de valor real do salário mínimo e a dificuldade de organização para a luta por direitos.

Na prática, a reforma garantiu que os/as trabalhadores/as cumprissem mais horas diárias de trabalho, com menos direitos e com contratos temporários que mantém a possibilidade do desemprego sempre presente.   

Nós, enquanto classe trabalhadora, sabemos a saga que cumprimos, dia a dia, na busca por um emprego seguro, um salário digno e com jornadas de trabalho justas. A taxa de desemprego em nosso país, segundo os dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística Contínua (PNAD/IBGE) 2022, atinge 9,7 milhões de pessoas. No estado da Bahia, a taxa é a maior do Brasil: ultrapassa a marca dos 15% (cerca de 1 milhão de pessoas), o que faz com que todos nós, trabalhadores e trabalhadoras, estejamos vulneráveis justamente a empregos inseguros, precarizados e que impõem uma superexploração da nossa força de trabalho – vale lembrar que os grupos mais expostos a esse tipo de exploração são sempre os jovens, as mulheres e as pessoas negras.

É diante desse cenário que grandes empresas que têm sua base financeira muito distante do chão que pisamos, tentam se valer de falsos discursos de “desenvolvimento”, “progresso” e “geração de emprego” para justificar e maquiar os verdadeiros e danosos efeitos de suas ações em nossos territórios. Do sertão ao litoral baiano, a Bahia Mineração (BAMIN S.A.) atua no convencimento da população local de que suas atividades predatórias serão, de alguma forma, benéficas, sem levar em consideração de que ela é controlada pela Eurasian Resource Group (ERG), grupo de acionistas do Cazaquistão, país do continente Asiático – ou seja, ela serve a outros interesses.

Os acionistas cazaquistaneses tentam nos convencer de que o saque das riquezas do subsolo da Bahia, especificamente da Mina Pedra de Ferro, localizada em Caetité, vai gerar dezenas de milhares de empregos em nosso estado. Segundo esses acionistas, que têm uma fortuna acumulada na faixa dos US$ 2 bilhões de dólares, a somatória de empregos seria essa:

Porém, se olharmos atentamente para esses dados, precisamos considerar algumas questões:

i) A conta apresentada pela empresa é em relação a junção Mina Pedra de Ferro + Porto Sul;

ii) A fase de “implantação” é somente em relação ao tempo de construção e de obras;

iii) Eles multiplicam por seis vezes a quantidade de empregos indiretos quando, no geral, os sindicatos de trabalhadores na mineração apontam o máximo de três vezes para os empregos indiretos;

iv) A quantidade de recursos públicos destinados às obras ainda é extremamente difícil de ser rastreada, mas, organizações populares e grupos de pesquisa estimam um valor de R$ 13 bilhões de reais investidos pelo poder público para a construção do complexo todo, envolvendo a Mina, a  Ferrovia de Integração Oeste-Leste (FIOL) e o Porto Sul, sem contar nos danos causados pelas explosões quando da construção da FIOL. 

Sob essa primeira lupa de aumento, nos questionamos: esses R$13 bilhões de reais em recurso público para gerar, no prazo de 30 anos (que é a duração prevista para a exploração das jazidas da Mina), 750 empregos diretos na região de Caetité e 750 empregos diretos na região de Ilhéus, significam um bom investimento para a população baiana?

Usemos nossa lupa para fazer uma segunda olhada para esses dados: segundo o Sindicato dos Trabalhadores Rurais na Agricultura Familiar de Licínio de Almeida (SINTRAF), o número de Declaração de Aptidão ao Programa Nacional de Fortalecimento a Agricultura Familiar (DAP) ativas no município é de 1.339 famílias.

Ou seja, se tirarmos uma média bastante baixa de duas pessoas por família aptas a trabalhar na agricultura familiar, teremos um número de 2.678 trabalhadores e trabalhadoras do município de Licínio de Almeida que são diretamente ameaçados pela forma como a BAMIN conduz suas operações: rachando casas com as explosões para a sua instalação, levantando nuvens de poeira e trânsito perigoso com o transporte de caminhões, usando indiscriminadamente água potável de reservas hídricas utilizadas também para o cultivo de alimentos, gerando doenças respiratórias, pulmonares e alérgicas com o pó da terra e o fino pó do próprio minério de ferro – um metal pesado e altamente contaminante também para roças e lavouras.

Helena, agricultora da região de Taquaril dos Fialhos. Foto: Coletivo de Comunicação MAM-BA

Outro aspecto que podemos perceber é: que tipo de empregos são esses oferecidos pela BAMIN? É visível, a olho nu, que os altos cargos de comando, gestão e coordenação são destinados a pessoas vindas “de fora”, muitas vezes de Minas Gerais, Goiás e Pará. E, para os cidadãos baianos, que cargos nos são dados? Por quanto tempo duram os contratos? As informações e denúncias que recebemos enquanto movimento social são de uma média de duração de apenas quatro meses, “sujando” a carteira de trabalho dos trabalhadores pela falta de estabilidade e driblando os vínculos empregatícios que garantiriam direitos e segurança.

Penúltima pergunta que direcionamos aos leitores: isso é progresso para quem? Ainda não é possível dimensionar os custos públicos que terá a prefeitura da cidade em relação ao tratamento para essas doenças e para realocar o contingente de trabalhadores que segue sendo descartado pela empresa sem acesso à Previdência, mas já é possível ver o prejuízo que ficará para o poder público local em lidar com as consequências desse modelo de mineração e o risco em colocar todas as fichas na aposta e dependência da mineração como “salvadora” dos desempregados.

Caso estivéssemos na fase de operação, o número de empregos ou de trabalhos para a geração de renda ameaçados pelas atividades da BAMIN apenas do setor de agricultura familiar – e só do município de Licínio de Almeida – seria quase quatro vezes maior do que o montante de empregos anunciados pela empresa na fase de operação da mina.

A quem interessa que continuemos fadados e presos em empregos precários, com salários baixos e jornadas de trabalho altas, de cunho temporário e sem garantia de direitos com uma mínima dignidade?

Abrimos o título de nosso texto com um pergunta, e assim concluiremos: se os bilhões investidos em uma única empresa de mineração controlada por estrangeiros tivessem sido destinados para o beneficiamento de produtos da agricultura familiar, fomentado a construção de agroindústrias e construído linhas de escoamento e comercialização dessas potências produtivas da caatinga, do cerrado e da mata atlântica (como a rapadura, o queijo, o pescado, o cacau, o turismo), não teríamos de fato um progresso e um desenvolvimento com o povo baiano em seu centro?