População segue em luta pois, o próximo passo após a aprovação da conformidade ambiental pelo Codema, é dar início ao processo de licenciamento estadual do empreendimento

*Por Ananda Ridart, da página do MAM

Sem a devida participação popular e contrariando as recomendações do Ministério Público de Minas Gerias (MPMG), o Projeto Céu Aberto, da empresa Ônix Mineração, obteve aprovação da carta de conformidade ambiental pelo Conselho Municipal de Defesa e Conservação do Meio Ambiente (Codema), no início desse ano, na cidade do Serro (MG). A mineradora pretende explorar cerca de 300 mil toneladas de minério de ferro ao ano e pode chegar a afetar o principal manancial hídrico do município.

Carta ou Declaração de conformidade ambiental é o documento que a Prefeitura emite dizendo que o empreendimento está de acordo com as legislações municipais, tais quais Plano Diretor e leis de uso e ocupação do solo.

Segundo um estudo do Grupo de Estudo em Temáticas Ambientais (Gesta), da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), as informações do Projeto Céu Aberto, da Onix, não permitem identificar quais danos ele pode causar.

Dentre os questionamentos levantados pelo Gesta está a falta de clareza sobre a manutenção da pilha de estéril a seco da mineração, que vai possuir dois hectares e 50 metros de altura – o equivalente a um prédio de 16 andares, além de não ter especificações acerca do controle da drenagem.

Para acelerar a implementação do projeto, a mineradora Ônix tem usado a estratégia de fragmentação do processo de licenciamento, fórmula que tem se tornado um hábito no estado de Minas Gerais nos últimos anos.

“A empresa possui um projeto de médio porte, mas ela apresenta um de pequeno porte para conseguir o licenciamento ambiental. Então, eles apresentam outros pequenos projetos e conseguem as licenças ambientais concomitantes – a prévia de instalação e a de operação de uma vez só, e sem ter a obrigação da realização de audiência pública. Isso torna-se um processo super acelerado que pode abrir a porteira daqui para outras mineradoras, tirando a possibilidade de controle popular’, explica Juliana Stelzer, do Movimento Pela Soberania Popular na Mineração (MAM).

A instalação do projeto minerário será localizada a apenas quatro quilômetros do centro histórico do município, em uma área de 400 hectares. Valderes Quintino, morador da cidade, denuncia que a prefeitura tem sido a principal articuladora para a instalação do projeto da mineradora, além de trabalhar no convencimento das comunidades para serem favoráveis à extração. “A prefeitura está mediando esse conflito, por isso tem repassado demandas da cidade para a mineradora. Dessa forma, a empresa diz que está se aproximando das comunidades, mas é porque a prefeitura está dando abertura”, relata.

A audiência pública, que aconteceu em fevereiro deste ano, foi um marco para o município. Ela foi requerida pela vereadora Karine Roza, do PT, e contou com a presença de seis parlamentares, sendo quatro deputados estaduais: Beatriz Cerqueira (PT), Andreia de Jesus (PSOL), Dr. Jean Freire (PT) e Leninha (PT), duas vereadoras de Belo Horizonte, Bella Gonçalves e Duda Salabert, ambas do PSOL, além de participação virtual de dois deputados federais, Rogério Correia e Patrus Ananias, ambos do PT.

Fotos da audiência pública que aconteceu em fevereiro de 2022. Créditos: Igor Amin

Contudo, mesmo com uma participação massiva da população, a prefeitura cedeu a carta de conformidade, o que pavimentou o caminho para que a empresa busque autorizações do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, o Iphan, e dos órgãos estaduais de licenciamento ambiental.

Após a carta de conformidade emitida a empresa consegue seguir com o licenciamento ambiental estadual, e no caso do Serro, como é tombado, precisa da anuência do Iphan, que analisará os impactos sobre os patrimônios materiais e imateriais que o empreendimento poderá trazer para o município.

A empresa vem tentando, também, violar a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que baseia-se no respeito às culturas e aos modos de vida dos povos tradicionais e reconhece o chamado direito à consulta livre, prévia e informada.

Isabela Ferreira, da comunidade Quilombola de Queimadas, conta que foram apresentados diversos relatórios contestando a mineradora. Contudo, admite que não houve efeito algum no posicionamento do poder público municipal favorável à mineradora. “Nas audiências públicas destinadas a discutir o projeto nos deram pouco tempo de fala, não estavam interessados em nos ouvir”, pontua.

Após dois séculos, Serro volta a ser ameaçada pela mineração

Há 200 anos, o município do Serro não é mais explorado pela atividade minerária, e consolidou uma economia voltada para a produção de queijos artesanais, da agricultura familiar e do turismo ecológico. A chegada dos empreendimentos minerários no município nos últimos anos e seus possíveis conflitos na cidade tem preocupado a população.

Após mentir sobre os impactos hídricos em Serro, outra mineradora, a Herculano, conseguiu autorização municipal para mineração nos limites do município. Os empreendimentos da Ônix e Herculano são vizinhos e localizados na parte das Serras do município, local que é área de recarga hídrica do Rio do Peixe que promove o abastecimento da cidade.

Para Stelzer, esses dois projetos juntos causarão perigo para a segurança hídrica do município e a localidade das instalações não estão previstas no plano diretor da cidade.

“Além dos prejuízos hídricos, o escoamento dos dois projetos será feito por caminhões. Então, somando os dois empreendimentos, serão cerca de 500 caminhões por dia para chegar nas rodovias, isso é um choque imenso para uma cidade da proporção de Serro”, aponta.

Além disso, Ônix e Herculano negam a existência da comunidade Quilombola de Queimadas, localizada a menos de um quilômetro das instalações. “Não consigo imaginar como vamos viver na comunidade depois da entrada de uma mineradora. Meu pai nunca imaginou um futuro longe da roça e não tem nenhum plano de sair daqui. As mineradoras já nos desrespeitam antes mesmo de entrarem, quando elas não nos inserem nos projetos, não nos consultam… depois, não será diferente. Vamos viver com a irresponsabilidade delas e, provavelmente, teremos de buscar um futuro longe de onde crescemos e planejávamos viver”, desabafa Isabela, que luta com a juventude da comunidade desde seus 14 anos contra os empreendimentos minerários.

Edição: Coletivo de Comunicação Nacional do MAM