O Estado do Pará tem uma das mais baixas cargas tributárias sobre a grande mineração do mundo

 Por Ananda Ridart, da página do MAM

Uma pesquisa intitulada “Estudos da Mineração no Pará”, conduzida pela Dra. Maria Amélia Enriquez da Universidade Federal do Pará (UFPA) e pelo economista Lucas Paiva Ferraz, coloca em evidência o contraste dos lucros das mineradoras e os baixos índices de desenvolvimento do estado.

Apresentada pela primeira vez no “Seminário Internacional Justiça Fiscal, Desigualdade e Desenvolvimento no Estado do Pará”, promovido pelo Sindicato dos Servidores do Fisco Estadual do Pará (Sindifisco-PA), a pesquisa traz um comparativo da tributação nos países produtores dos mesmos minérios que são exportados pelo Pará, evidenciando como o Estado arrecada quantias insignificantes enquanto mantém uma política generosa para as mineradoras.

O Pará tornou-se o principal estado minerador do país desde 2019, ultrapassando Minas Gerais, e apenas em 2020 foram R$ 97 bilhões em Valor da Produção Mineral (VPM). Logo, a mineração é a principal atividade econômica do estado, correspondendo a 13,5% do Produto Interno Bruto (PIB) e 89% das exportações estaduais.

 

São 18,3 milhões de dólares em divisas para o país. A participação do Pará na mineração nacional passou de 23% para 47% e, de acordo com a economista Maria Amélia Enriquez, esse valor corresponde ao PIB de 92 dos 206 países classificados pelo Banco Mundial –  equivalente ao PIB de países como a Jamaica ou a Botswana.

Apesar dos valores exorbitantes, a atividade mineral no Pará é destinada à exportação. Dessa maneira, é desonerada de tributação, impedindo o financiamento do desenvolvimento e a fomentação do bem-estar social na região. Um exemplo disso é a empresa Vale, que lucrou R$ 78,2 bilhões apenas no ano de 2020, e o recolhimento dos tributos para o Estado foram R$ 3,181 bilhões, 4% do VPM. Isso em contraste com o orçamento anual do Pará em 2021, que é no valor de R$ 31 bilhões, o que mostra como a política de isenção fiscal segue em descompasso com a receita da região.

“A mineração no Pará faz uso intensivo da água, sem pagar por isso, goza de incentivos fiscais e da falta de tributação. Ou seja, é uma atividade que nos devora e não nos fornece outras possibilidades. Precisamos convencer a sociedade de que a tributação pela mineração é baixa, quase nula, e que vivemos em uma fantasia de ‘progresso’”, comenta Charles Trocate, da coordenação nacional do Movimento pela Soberania Popular na Mineração (MAM).

A mineradora francesa Imerys, que teve um de seus galpões de beneficiamento explodidos na última segunda (06), na cidade de Barcarena, região nordeste do Pará, arrecadou, em 2020, R$ 483,2 milhões na exportação de caulim, enquanto que o Pará recebeu, em impostos de compensação, R$ 3.242 mil, o equivalente a 2,7% do VPM.

O caulim integra a lista dos seis minerais presentes em maior quantidade na crosta terrestre. Trata-se de um tipo de minério composto por silicatos hidratados de alumínio, e é amplamente utilizado na elaboração de borrachas.

Segundo a pesquisa, no último ano, o estado do Pará (que é o maior exportador brasileiro de minério de ferro do país) arrecadou 4% do VPM em minério de ferro e 4,7% na exploração de bauxita, enquanto que a Austrália, uma das principais exportadoras de ferro no mundo, possui tributação média de 44% sobre o ferro e 40% sobre a bauxita. Já o cobre teve sua arrecadação em torno de 2% do VPM no estado, em comparação, o Chile tem tributado 35% de sua exportação. A África do Sul arrecada 40% na exportação de manganês, enquanto que o Pará apenas 3,92%.

Todos os países citados impõem Imposto sobre a Renda de Pessoa Jurídica (IRPJ), Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), Royalties, taxas sobre uso do solo, sobretaxa sobre lucros crescentes, licenciamento e outros similares para utilizarem a partir desses recursos melhorias nas condições sociais dos respectivos países.

Generosidade Fiscal
No Brasil, o sistema tributário sobre minerais é bastante generoso com as mineradoras. A nível nacional, políticas, como a Lei Kandir, isentam do recolhimento de ICMS produtos primários e semielaborados, como é o caso dos minérios. No Estado do Pará também há incentivos fiscais da Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia (SUDAM) por empreendimentos instalados no território. A mineração contribui com apenas 4% em média, do ICMS do Estado. Acrescentando-se a CFEM e a Taxa de Controle, Monitoramento e Fiscalização das Atividades de Pesquisa, Lavra, Exploração e Aproveitamento de Recursos Minerários (TFRM), esse percentual passa para 6% da receita própria do Estado.

Para além dos danos e problemas envoltos na atividade mineradora, a pesquisa do Sindifisco-PA denuncia a falta de transparência sobre a arrecadação tributária dos bens minerais no país. Segundo o estudo, há uma dificuldade de encontrar dados sobre os tributos que o setor mineral recolhe, tanto na esfera nacional como estadual e municipal. A única exceção é a CFEM, pois há uma ampla divulgação de que a carga tributária sobre o setor é de 30%, ainda que não se tenha como checar esses valores.

“Parece que é feito de propósito. É muita opacidade e essa falta de transparência dos dados tem aumentado nas últimas décadas. Sendo muito otimista, a atividade mineradora deve arrecadar no máximo 15% do seu faturamento”, comentou a economista Maria Amélia Enriquez, durante a apresentação da pesquisa no Seminário do Sindifisco-PA.

O que fica para quem mora nessas terras?
Apesar da CFEM, a mineração não traz automaticamente o desenvolvimento. Ao comparar os dez municípios com maior Índice Firjan de Desenvolvimento Municipal (IFDM), que analisa o desenvolvimento socioeconômico de cada um dos mais de 5 mil municípios brasileiros nas áreas de Emprego & Renda, Educação e Saúde, e os dez maiores municípios mineradores do Brasil, verificam-se apenas três municípios mineradores que alcançaram o mencionado índice: Parauapebas, Paragominas e Canaã dos Carajás.

A pesquisa mostra resultados desanimadores nos índices de emprego, renda, violência e pobreza nos munícipios mineradores. Embora a atividade gere renda para o município, não há geração automática de empregos. Nenhum município mi­nerador ficou entre os seis melhores colocados em empregos no Estado do Pará. Com o aumento da renda per capita houve também o crescimento da violência e, só em 2019, seis dos 10 municípios ficaram com médias de homicídio acima da média no estado do Pará.

A renda per capita é um dos indicadores socioeconômicos que avaliam o grau de desenvolvimento econômico de um determinado lugar. A média é obtida através da divisão do Produto Nacional Bruto (PNB) pelo número total de habitantes.

A pesquisa demonstra que há um aumento de famílias inscritas no Cadastro Único para Programas Sociais (CadÚnico), o que é representativo do aumento da pobreza. Nos últimos dez anos, houve um crescimento desse número em todos os municípios mineradores. É o agravamento dos desníveis regionais de renda, com o aumento da pobreza, em contraste com a renda salarial média dos empregados das mineradoras.

“A mineração acaba sugando energia de outras possibilidades econômicas. Ela avança e outras atividades acabam retrocedendo. Dizer que a atividade mineral gera emprego é uma falácia. O livre jogo das forças de mercado, da financeirização, internacionalização e dos acionistas não vão levar ao desenvolvimento regional, apenas vai ampliar o modelo da iniquidade territorial, do empobrecimento e da exclusão social”, comenta a economista.

Percebe-se que o tamanho dos impactos socioambientais para fins de progresso econômico não está diretamente associado ao desenvolvimento social e econômico da região. A trajetória do território amazônico está ligada a planos de progresso econômico predatórios que marginalizam a população local, não trazendo melhorias nas condições de habitação e de desenvolvimento humano. A região permanece em um antagonismo, com a população à deriva diante da expansão agressiva do capital das mineradoras e os impactos que são gerados.

“É necessário decidir onde minerar, como minerar, o ritmo dessa mineração e como levar para a sociedade o resultado disso. É preciso controle do Estado. É preciso que a gente exerça a soberania. Não pode ser no tempo do capital, porque quem faz o capital são as pessoas e precisamos compreender que o tempo não pode ser o tempo da financeirização da natureza de maneira permanente. Há outras formas de se viver”, finaliza Trocate.

Edição Raquel Monteath, do Coletivo Nacional de Comunicação MAM