Além das mortes, traumas posteriores ao crime abreviaram vidas e marcaram uma população que vaga sem identidade e pertencimento

Por Ananda Ridart, da página do MAM

Há seis anos, o maior crime socioambiental do país ocorrido em Mariana (MG), cometido pela mineradora Samarco, que é controlada pela Vale e BHP Billiton, segue impune e sem ressarcimento adequado para as vítimas sobreviventes. Ocorrido na tarde do dia 5 de novembro de 2015, o desastre resultou em uma multiplicidade de danos, entre eles, 19 mortes e impactos ambientais irreparáveis. Bento Rodrigues, Paracatu de Baixo e Barra Longa foram as cidades, dentre as 47 atingidas, que mais sofreram com a perda de moradias e que sofrem, até hoje, com a falta da devida reparação.

Nas investigações acerca do rompimento da barragem de Fundão, foi identificado o conhecimento da mineradora sobre a probabilidade de rompimento da barragem, dando indícios, dessa forma, de que foi um crime com dolo. Apesar das constatações e dos laudos técnicos, a empresa Samarco, até o momento, pagou menos de 7% do que normalmente é cobrado no que se refere a multas ambientais.

Em 2016 foi celebrado um acordo entre as empresas envolvidas no crime, a União, o Estado de Minas Gerais e do Espírito Santo, chamado de Termo de Transação e Ajustamento de Conduta, que culminou na criação da Fundação Renova para a “gestão” dos projetos de reparação aos impactados pelo crime.

Sem a participação popular, os programas de reparação da Renova eram destinados à infraestrutura, às pessoas e ao meio ambiente, contudo, nenhum foi efetivamente cumprido pela Fundação.

Para Mauro da Silva, comerciante nascido e criado em Bento Rodrigues, o local escolhido para o assentamento do “Novo Bento” é impróprio e não condiz com o modo de vida anterior da comunidade. “Em área de declividade, não há como manter atividades rurais, como o plantio e a criação de animais. O novo assentamento, se um dia acontecer, pode até ser um ‘local modelo’ em termos de construção e urbanismo, mas não vai resgatar o nosso modo de vida e a nossa história”, comenta o comerciante.

O programa de reassentamento, que era previsto para ser cumprido em até 36 meses, permanece sem previsão de entrega. Para a advogada e professora de Direito da Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP), Tatiana de Souza, esse processo de espera do reassentamento aumentou a vulnerabilidade da população, que foi agravado com o início da pandemia da Covid-19.

“O fator tempo é agravador da violência sofrida por essas pessoas, já passaram seis anos e nenhum reassentamento foi construído e, no caso de Gesteira (comunidade de Barra Longa), nem foi homologado pela Justiça ainda”, explica a advogada.

A demora ocorre, segundo a advogada, devido à resistência da Fundação Renova em atender as exigências da população nas negociações. Os processos, por contarem com pouca participação popular, também encontram resistência nas comunidades. A população luta hoje pela garantia do cumprimento dos ressarcimentos estabelecidos e pelo direito de participar dos processos judiciais que dizem respeito a elas. Quando há avanço na participação, há também uma resistência da Renova.

“A empresa age com a postura de vítima e parece que nós, os atingidos pela lama, somos os réus. Eles são inflexíveis e ameaçam abandonar as audiências se não for no molde deles. São seis anos de impunidade, sem assentamento, reparação ou multa. Parece que o tempo do Império não terminou, onde o poder econômico que determina quem é ou não o criminoso”, relata Mauro da Silva.

A arquiteta e professora da UFOP, Karine Carneiro, acredita que a demora nos processos de ressarcimento tem feito com que as pessoas saiam das suas cidades e desistam do processo de reassentamento. Para ela, as tentativas de reparação em Barra Longa visaram muito mais uma propaganda para a empresa do que o bem-estar da população, que continua sofrendo os impactos das mineradoras.
“Já faz seis anos e não há reparação para a população. O processo significou estar à mercê da Renova, a empresa decide quem tem direito ao auxílio e ao ressarcimento, enquanto as pessoas adoecem contaminadas com a lama deles”, explica a arquiteta.


Contaminação por toda parte
Além da demora na Justiça, a situação da contaminação e da saúde da população é dramática por toda a Bacia do Rio Doce. Não existem medidas preventivas contra os riscos à saúde causados pelos rejeitos, que tiveram a presença de metais pesados identificados em diversos estudos.

A lama contaminada atingiu principalmente áreas rurais ao redor do Rio Doce, com exceção de Barra Longa, que teve seu centro urbano soterrado. Nos morros e locais onde os rejeitos não chegaram, eles foram levados pela mineradora através de um projeto de tentativa de “reparação” que pavimentou a cidade com o uso da lama contaminada. A população tem sobrevivido com a contaminação da lama no ar, na água e no solo. Até o momento, não houve nenhum plano para a retirada dos rejeitos da cidade.

A filha da professora e moradora de Barra Longa, Simone Silva, tinha 9 meses quando a barragem de Fundão rompeu. Hoje, ela sofre consequências gravíssimas no pulmão, intestino e cérebro, ocasionadas pela contaminação. “Faz seis anos que ela vive com vários medicamentos que não são baratos. Tem vários laudos médicos que indicam que a contaminação da lama adoeceu minha filha. Já entrei com uma ação na Justiça para que a empresa pague pelo tratamento dela, mas ganhamos um dia e, no outro, eles recorrem, aí ela fica sem tratamento. Eu tenho dois advogados contra eles, a Renova tem 70 contra a gente, seria muito mais barato pagar o tratamento da menina, mas eles não querem abrir precedentes”, relata Simone.