Na última segunda-feira (18), as comunidades Curral Velho, Rio Grande e Invernada, que estão entre os municípios de Caetité e Guanambi, na Bahia, mobilizaram-se para denunciar danos causados pelas atividades da empresa de energia CIMY Holding, uma das responsáveis pela construção da ferrovia de integração Oeste-Leste, juntamente à VALEC Engenharia, Construções e Ferrovias S/A e a empresa que está com a concessão da obra, que é a BTEC CONSTRUÇÕES S.A.

Os moradores ocuparam logo de manhã cedo, por volta das 5h, uma estrada em Curral Velho, município de Caetité, parando o trânsito de veículos. Prejudicadas principalmente pela poeira e sem resolver problemas antigos, camponeses estão adoecendo e com os meios de reprodução de suas vidas ameaçados. A ocupação seguiu até às 13h, quando um acordo foi fechado com as empresas.

O tráfego constante de transportes de máquinas pesadas e caminhões de grande porte vem aumentando o nível de poeira nas comunidades, causando doenças respiratórias e danificando as lavouras, principal atividade econômica das famílias. Segundo o agricultor da comunidade Curral Velho, Maurício, a previsão é de que a colheita em 2019 será pouca. “Ano passado a gente colheu muito aqui, nessa época. Andu (feijão), mesmo, foram dezenas de sacos. Este ano não devemos ter essa colheita”, afirma o agricultor.

As pessoas idosas, em situação vulnerável, temem não suportar por muito tempo viver nestas condições. José Mandu, com 57 anos, diz que precisa urgentemente de uma solução. “O principal problema para mim aqui é a poeira. Quando chega o fim da tarde eu não consigo mais respirar, porque a poeira dos carros o dia todo vai me matando. Eu não posso esperar para amanhã não, eu não sei se aguento até junho”, diz, com tristeza, o também morador de Curral Velho.

Os transtornos iniciaram em 2014, com as atividades para a implantação da ferrovia de integração Oeste-Leste pela VALEC, quando foram realizadas explosões para remoção de pedreiras, gerando muita poeira sob toda a comunidade, como também rachando casas, caixas d’água e barragem. Inclusive muitas casas tiveram pedras arremessadas pelas explosões em seus quintais e diretamente na residência. Na época as famílias fizeram levantamento de danos e denunciaram, junto ao Ministério Público, quando a VALEC foi impedida de continuar as atividades até a resolução dos problemas gerados. No processo junto ao MP tem todos os danos causados pela operação da VALEC, como rachaduras nas casas, em barragem, em caixas d’água, poeira, danificação de pastos etc., tudo registrado documentalmente e por fotos.

As obras permaneceram paradas até fim do ano passado, mas as atividades foram reiniciadas no trecho da ferrovia no entorno de Brejinho das Ametistas, distrito de Caetité, a alguns quilômetros de Curral Velho. O trajeto feito pelos veículos diariamente, com máquinas, caminhões e carros, são pelas estradas vicinais que cortam por dentro as comunidades de Curral Velho, Rio Grande e Invernada. A responsável pelo trecho da ferrovia que corta a comunidade é, principalmente, a VALEC.

Também afetando a vida dos moradores, a empresa CIMY está instalando uma linha de transmissão e é possuidora da maior frota de veículos no momento, consequentemente, a principal responsável pela continuidade da poeira. Desrespeitando os moradores, caminhões pesados passam em alta velocidade em frente às casas e ao lado das lavouras.

Após negociação, a VALEC e a BTEC CONSTRUÇÕES S.A., responsáveis pelo trecho na região, comprometeram-se a suspender o tráfego de veículos nas estradas que cortam as comunidades e, caso retorne o trânsito pela comunidade, a molhar as estradas.

A empresa CIMY mandou um carro Pipa por volta das 13h para molhar as estradas, horário no qual a comunidade desocupou o local e o trânsito foi liberado. Também foi acordado com as comunidades o envio de um carro pipa, ou dois se necessário, todos os dias de operação, antes de iniciar a rodagem dos demais veículos.

Mesmo com a importante vitória que possibilitou resolver o problema emergencial das famílias, causado pela poeira de respostas concretas correspondentes ao processo movido contra a VALEC, o povo segue se organizando e mobilizado parar defender a vida frente a este modelo mineral, ao qual a ferrovia integração Oeste-Leste servirá. No local exato onde ocorreu a ocupação serão removidos 27 metros de rochas, todas através de explosivos, sendo inevitável mais poeira e danificação nas casas. A maioria dos moradores, especialmente os mais próximos ao empreendimento, muito menos de 1 km, sabem que é impossível permanecer no local depois de reiniciadas as explosões, mas não podem pensar em sair da terra onde nasceram e cresceram e de onde, até hoje, tiram seu sustento.

“Daqui até lá em casa, que não é perto, ou até mais longe, não pode ficar ninguém quando começarem [as explosões] aqui. Vai destruir tudo. Não sei o que eles vão fazer com nós. Mas vamos continuar na luta! Vai dar certo para nós, se Deus quiser!”, disse o morador José Mandu, ao final da ocupação.

Maurício imagina os vagões cheios de minério de ferro começando a passar, deixando poeira como os veículos deixam agora. “Quando o trem começar a passar aqui com os vagões cheios de minério de ferro, vai deixando poeira igual os caminhões deixam agora. Mas o pó de minério vai botar perdido toda plantação, se produzir não pode comer e nós vamos adoecer. Já pensou o corpo de quem ficar exposto ao pó desse ferro passando todo dia? Eu acho que não vai ficar ninguém aqui. A gente precisa unir a luta de todo mundo por aqui, tem muita gente na mesma situação que nós”.

Foi com essa convicção que as comunidades encerraram a ocupação nesta segunda-feira, reafirmando a importância de seguirem organizados e em luta, juntamente com todas as outras populações em situação semelhante em todo o percurso da ferrovia até Ilhéus. As comunidades estão ampliando a pauta pela construção de um novo modelo mineral soberano e popular, em que o povo possa participar das decisões e dos ganhos, inclusive, podendo decidir se querem ou não algum empreendimento.