Ceará vive um momento emblemático com a tentativa da implantação de um projeto minerador de urânio, dominado por um consórcio firmado entre a estatal Indústrias Nucleares do Brasil (INB) e a Galvani Indústria (controlada pela mineradora norueguesa Yara).

Para falar sobre a problemática da exploração de urânio e da mineração no nordeste e no Ceará, Erivan Camelo, da coordenação nacional do MAM no estado, relata nas linhas abaixo a consequência de empreendimentos minerários numa região seca e habitada por camponeses.

Confira abaixo:   
 
MAM- Dê uma panorâmica sobre a mineração no Nordeste Brasileiro? 

Erivan Camelo:   A mineração é uma atividade economicamente tradicional na região Nordeste, sendo que mais de 50% dos estabelecimentos minerários têm mais de 20 anos de funcionamento. O que significa dizer que com exceção da Bahia que já no século XIX participa do ciclo do ouro e diamantes, o Nordeste e mais especificamente o Ceará, participa de forma mais direta do rol mineral desde a segunda metade do século XX e se aprofunda de forma aguda entre os anos que separa o segundo do terceiro ciclo da mineração.

Logo no início da corrida extrativista mineral nordestina, se destacou a produção de petróleo e gás natural na Bahia, Sergipe e Rio Grande do Norte, Piauí e Ceará. Em destaque podemos dizer que o Rio grande do Norte tem 95% do sal marinho produzido no Brasil, Pernambuco é responsável por 95% do gesso brasileiro, o Ceará tem a maior mina de urânio do Brasil e uma das maiores de fosfato e grande reserva de cobre, a Bahia tem em torno de um terço do seu território com diversidade de minerais (níquel, cobre, ferro, ouro, urânio…),  no Piauí tem ferro, Paraíba tem ilmenita e ferro, Alagoas tem petróleo, etc. O que foi citado é apenas um exemplo pontual onde a indústria da mineração está ativa no interior do Nordeste a partir do começo do século XXI,  principalmente a partir de 2008, quando o Estado em parceria com empresas transnacionais do setor mineral investe na exploração mineral por ser um momento de demanda internacional, de “boom das commodities”, e concomitantemente a região é alvo de diversas pesquisas. Todos os empreendimentos minerários estão associados a indústria da mineração através de um grande complexo de construção ou reformas de ferrovias (transnordestina), estradas, portos, fabulosas infraestruturas para transpor águas e energia.

MAM- Qual a consequência da invasão das mineradoras no nordeste?

E.C:  É um retrocesso histórico do ponto de vista da concentração de terras, e ligado a isso está também a centralidade no consumo de água. Imaginem, uma região que sempre foi castigada pela indústria da seca, representada pelos latifundiários aliados as oligarquias políticas, que durante o século XX muitos morreram de fome e sede e milhões migraram para outras regiões do país, o que mais poderia ser pior? A contra Reforma Agrária forçada pelas empresas do setor mineral e do agronegócio, o desvio das nossas águas para lavrar minério e produzir alimentos envenenados, a poluição de bacias hidrográficas, do ar e da terra, as doenças que mutilam a vida dos trabalhadores/as e pessoas que habitam próximos a tais empreendimentos, entre outros.

MAM- Fale sobre a tentativa da exploração de uranio no Ceará?

E.C: A Jazida de Uranio está localizada no semiárido cearense entre os municípios deItatira e Santa Quitéria, a 222 Km de Fortaleza. Com reservas lavráveis totais de 65,6 milhões de toneladas de colofanito – minério onde urânio e fosfato estão associados -, a jazida constitui-se como a maior mina de urânio do Brasil e quinta maior do mundo.

A Jazida de Itataia foi descoberta na década de 1970 no período da Guerra Fria pelos americanos, uma queda de braço em relação as fontes de energias que fossem capazes de suprir o poder hegemônico militar, econômico e político no mundo. E, desde então, tem sido alvo de intervenções que nunca foram discutidas com a população. Atualmente, um consórcio firmado entre a estatal Indústrias Nucleares do Brasil (INB) e a Galvani Indústria, Comércio e Serviços S.A (controlada pela mineradora norueguesa Yara) deseja explorá-la no que tem sido denominado Projeto Santa Quitéria (PSQ). As comunidades do entorno da mina de Itataia o chamam de “dragão adormecido”, porque compreendem que se a fera está dormindo ninguém será sua presa.

O empreendimento pretende produzir, por ano, 1.050.000 (um milhão e cinquenta mil) toneladas de derivados fosfatados e 1.600 (mil e seiscentas) toneladas de concentrado de urânio para atender à produção de fertilizantes, ração animal e energia nuclear.

Mas, o que eu queria especificar detalhadamente é sobre o loby da mineração nuclear e os impactos que o projeto de Itataia já causou e poderia causar no território camponês onde a jazida de Itataia está localizada. As empresas que fazem parte do consórcio forçaram a barra para obter o licenciamento do órgão ambiental do Ceará, sendo que a licença para extração de urânio só pode ser expedida pelo IBAMA e ainda deve ter uma segunda licença da Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN). É nesse momento (2008) que começa a articulação dos movimentos sociais, desmentindo o consórcio que dizia ser uma mina onde o principal produto seria o fosfato e não o urânio.

No EIA Rima, foi colocado apenas três comunidades, mas, foi mapeado e comprovado por pesquisadores que há um total de 156 comunidades camponesas, três bacias hidrográficas e mais de 60 (sessenta) municípios (incluindo a capital do estado) que podem ser impactados com o Projeto Santa Quitéria. Além deles, todas as regiões agrícolas do Brasil e dos países para onde os fertilizantes e a ração animal forem exportados também poderão estar na rota de contaminação, pois o empreendimento planeja separar urânio e fosfato por meio de uma tecnologia de extração elaborada recentemente e ainda não aplicada em nenhuma planta industrial. Pesquisas apontam que a produção do fosfato a partir dessa metodologia não estará livre da presença de elementos radioativos, o que acentua o risco à saúde dos/as consumidores/as e pode aumentar o número de atingidos/as pelo projeto.
 
 
Por estarmos no Semiárido nordestino e passado por um período de longa estiagem que já dura em torno de sete anos, nos preocupa que o Projeto Santa Quitéria prevê a utilização de 1 milhão e 100 mil litros de água por hora. No intuito de viabilizar esse objetivo, pretende contar com o apoio do Governo do Estado do Ceará para a construção de uma adutora que transportará a água do Açude Edson Queiroz até a jazida e elevará a demanda desse açude em 400% caso o empreendimento entre em operação.
 
Vale enfatizar, também, que a mineração de urânio e fosfato consumirá o equivalente a 125 carros-pipa por hora, enquanto as comunidades e os assentamentos do entorno da mina sobrevivem, em média, com o equivalente a 14 carros-pipa por mês. Esse dado evidencia, por si, que, caso o Projeto Santa Quitéria receba as licenças ambientais necessárias à sua execução, será responsável pela geração de uma injustiça hídrica que violará, entre outros aspectos, o uso equitativo dos recursos naturais. 
 
Segundo pesquisadores/as do TRMAS/UFC, as pilhas e a barragem de rejeitos do empreendimento, por exemplo, serão depósitos de resíduos radioativos que continuarão no Sertão Central do Ceará por cerca de 80.000 anos. A pilha de estéril terá o volume total de mais de 29 milhões de toneladas de metros cúbicos, o que equivale a um prédio de 30 andares e ao volume de doze piscinas olímpicas. A pilha de fosfogesso é um depósito de resíduos da produção de ácido fosfórico que alcançará 70 metros de altura e terá 24.960.000 toneladas de material. Com a ação dos ventos e das chuvas sobre essas estruturas, isso quer dizer que haverá material radioativo sendo continuadamente espalhado pelo solo, pelas águas e pela vegetação de diferentes áreas do estado, principalmente quando se verifica que, com ventos de apenas 16 quilômetros por hora, o urânio é capaz de se propagar por mais de 1.000 quilômetros.

MAM- Quando surge as pesquisas de energia nuclear no Brasil?

E.C:  Começou na década de 1950, com Almirante Álvaro Alberto, que entre outros feitos criou o Conselho Nacional de Pesquisa, em 1951, e que importou duas ultracentrifugadoras da Alemanha para o enriquecimento do urânio, em 1953. A decisão da implementação de uma usina nuclear no Brasil aconteceu em 1969. Em nenhum momento se pensou numa fonte para substituir a energia hidráulica, da mesma maneira que também simplesmente o domínio de uma nova tecnologia. O Brasil estava vivendo dentro de um regime de governo militar e o acesso ao conhecimento tecnológico no campo nuclear permitiria desenvolver não só submarinos nucleares, mas também armas atômicas. Em 1974, as obras civis da Usina Nuclear de Angra 1 estavam em pleno andamento, quando o Governo Federal decidiu ampliar o projeto autorizando a empresa Furnas a construir a segunda usina.

Todavia, do acordo nuclear Brasil-Alemanha restou a construção de uma usina, Angra 2 e a compra de parte importante dos equipamentos para a usina Angra 3. Esta usina teve sua construção paralisada nos anos 80, sendo anunciada a retomada de seu desenvolvimento a partir de setembro de 2008, segundo o Ministério de Minas e Energia. A reativação do Programa Nuclear Brasileiro com a construção de usinas nucleares em nosso território é um grande equívoco socioeconômico, estratégico e ambiental, associado a uma política energética míope com relação as estratégias para diversificação de fontes energéticas na matriz nacional.

Mesmo não havendo provas definitivas de que o Brasil esteja construindo armas nucleares, eventos e pronunciamentos em passado recente levam-nos a crer que o país “recomeçou a flertar” com a ideia de produzir uma bomba atômica após tentativas anteriores mau sucedidas durante o regime militar. O município de Madalena no Ceará pode ter sido um dos palcos de testes nucleares coordenados pelos Estados Unidos no final da década de 1950. O acontecido está documentado em jornais da época e em arquivos daquele município, e, além disso, a população conta dos clarões que viram durante a noite no mesmo período. O que deixa a história ainda mais emblemática é que um pesquisador americano notificou na região 425 pessoas que morreram com câncer que tem haver com o nuclear. 
 
A jazida de Urânio de Santa Quitéria no Ceará está interligada com o programa nuclear brasileiro que se tornou dependente da exploração da mesma. Angra 3 só virá funcionar algum dia depois de ter sido gastos em torno de 7 bilhões, se tiver a matéria prima da mina de urânio do Ceará. Por isso, é que, todavia, afirmamos que a luta contra a exploração do urânio aqui no Ceará, deverá ser encampada por toda sociedade brasileira. A Jazida de urânio de Santa Quitéria, também está ligada ao Plano Nacional de Energia 2030 – PNE 2030 (Estratégia para a Expansão da Oferta), divulgado pela Empresa de Pesquisa Energética (EPE), o Brasil deverá construir mais quatro usinas nucleares até 2030. Duas das novas unidades nucleares construídas na região Nordeste (Rio São Francisco) e as outras duas no Sudeste, além de Angra 3, que estava incluída no Plano Decenal de Expansão de Energia Elétrica (PDEE) 2006-2015 divulgado pelo governo federal, mas que não foi efetivado.

É importante salientar que o PNE – 2030, que não tem apreço pela busca da eficiência energética e muito menos do uso racional da energia, foi elaborado para beneficiar as indústrias do setor eletrointensivo, como as empresas produtoras de ferro, celulose e alumínio primário, que são grandes consumidoras (e desperdiçadoras) de energia, concentrando em três megaprojetos (as usinas hidrelétricas de Jirau e Santo Antônio – no Rio Madeira, em Rondônia, a de Belo Monte, no rio Xingu, no Pará e a usina nuclear de Angra 3). Todas, continuam causando grandes impactos sociais e ambientais e a última possui uma chance razoável de dar errado. Enfim, não devemos esquecer do que disse o físico Robert Oppenheimer, responsável pela construção da primeira bomba atômica, quando visitou o Brasil, em 1953”: “Quem disser que existe uma energia atômica para a paz e outra para a guerra, está mentindo”.

MAM- Há um crescimento da mineração no Ceara?

E.C:  Segundo o anuário da mineração organizado pelo DNPM, o crescimento da mineração no Ceará entre os anos de 2011 e 2015, foi de 606 para 916 empreendimentos minerais e o valou da produção mineral comercializada saiu de R$ 300 para R$ 600 milhões. Somente a empresa Globest Participações Ltda, responsável e administradora da mina Bandarra, instalada na Serra do Besouro no Município em Quiterianópolis, produziu e exportou para China entre 2011 e 2015 cerca de 1,2 milhões de toneladas de minério de ferro e comercializou cerca de R$ 106 milhões, sendo a líder no ano de 2014 no valor de produção comercializada no Ceará.

O Ceará também já tem compromisso selado com o consorcio do projeto de Santa Quitéria para exploração de urânio e fosfato, para financiar a construção de uma adutora, uma rede elétrica e fazer uma malha viária, o que em números seria a contrapartida do estado um valor de 245 milhões de reais.

MAM- O que significa o Complexo Indutrial do Pecém?
E. C: O Complexo Industrial do Pecém está localizado no município de São Gonçalo do Amarante, a 50 km de Fortaleza e aglomera várias estruturas, empreendimentos e companhias industriais, em especial o Terminal Portuário do Pecém, e mais, a Companhia Siderúrgica do Pecém (Vale, Dongkuk Steel e Posco) a Usina  Termelétrica do Pecém (grupo EBX e MPX energia S.A.), e a previsão de uma refinaria da Petrobrás (empresas chinesas), entre outras empresas menores.  A região industrial também faz parte do projeto do Eixão das Águas. Está interligado com a ferrovia transnordestina e com a BR 222. Começou a ser construído em 1995, terminado em 2002 e até 2010 funcionava apenas atividade no porto, e, em seguida começa a instalação de grandes empresas.

Para o Estado, o Complexo Industrial do Pecém é a porta de entradas e saída da chamada “riqueza” do Ceará que paralelamente equilibra a balança comercial. Mas para os movimentos sociais e principalmente nós do MAM, significa a destruição de 24 mil HA de terra onde viviam várias comunidades tradicionais que conviviam e tiravam o seu sustento a partir de atividade agrícolas e pesqueiras.

A Companhia Siderúrgica do Pecém ocupa um terreno de 297 hectares, consume 1.500 litros de água por segundo, que seria equivalente a um município de 90 mil pessoas em pleno semiárido, e utiliza 180 MW de potência de energia, (que em sua maioria é produzida por carvão mineral) ou mais de 14% de toda a potência fornecida aos estados do Ceará e Pernambuco.

Em torno do complexo vivem centenas de famílias, inclusive algumas que foram reassentadas e nunca tiveram suas áreas tituladas. convivem com pelo menos 200 caminhões 24 horas passando dentro das comunidades transportando carvão mineral do porto para a termelétrica. Assim, a poeira de carvão misturado com a prostituição mutila os modos de vida ali estabelecidos. A esteira que também transporta carvão mineral leva poeira para outras comunidades mais distantes. A população sofre com muitas doenças respiratórias causadas pela poeira, fumaça e partículas de ferro que sobrevoam todo o território.