As mudanças na Presidência do país, aparentemente, geraram um contexto favorável a modificações na Vale. O posicionamento pró-mercado do Governo Temer parece ter criado uma oportunidade para transformações na governança corporativa da Vale de forma a reduzir a participação do Estado nas decisões. Esse movimento é associado, principalmente, ao estabelecimento de um novo acordo entre os acionistas da empresa.

Desde a privatização da Companhia Vale do Rio Doce (CVRD), em 1997, a composição acionária da Vale foi segmentada entre ações ordinárias (ONs)[1], com direito a voto, e preferenciais da classe A (PNAs)[2], que implicam um direito prioritário de recebimento de dividendos, isto é, trata-se de uma estrutura acionária dual. Desde então, a Valepar S.A.[3] detém 54% do capital ON e 33,7% do capital total da Vale S.A.

Nos gráficos abaixo é possível observar a composição acionária do Capital Total da Vale e das Ações Preferenciais (PNA) em março de 2017.

Composição Acionária do Capital Total da Vale em março de 2017. Fonte: Vale

Composição Acionária do Capital Total da Vale em março de 2017. Fonte: Vale

 

Composição das Ações Ordinárias (ON) em março de 2017. Fonte: Vale

Composição das Ações Ordinárias (ON) em março de 2017. Fonte: Vale

Como acionista majoritário, a Valepar pode eleger a maioria dos conselheiros da empresa e controlar o resultado de algumas de suas ações. Sendo assim, por meio dos fundos de pensão, a União pode influenciar diretamente e determinar diversos dos processos decisórios da empresa. A União ainda possui golden shares (ações preferenciais com direito a veto em decisões críticas) que lhe conferem poder para impedir algumas ações da companhia, tais como alterações em seu nome, localização de sua sede ou objeto social no que se refere às atividades de mineração.

Esta estrutura dual da composição acionária e o controle majoritário da empresa pela Valepar são vistos pelo mercado como problema porque possibilitariam uma forte influência do Estado sobre a Vale. Desse ponto vista, a privatização da Vale não teria sido levada até o final, já que a União pode influenciar diretamente as decisões na empresa.

Por isso, em fevereiro de 2017, os acionistas majoritários e minoritários da Vale acordaram uma reestruturação acionária da empresa, que progredirá até 2020. Com o acordo, foi acertada a troca voluntária das ações preferenciais por ordinárias, e que nenhum acionista terá, até 2020, mais do que 25% das ações ordinárias. A partir de dezembro de 2020, fim do acordo, os acionistas poderão negociar suas ações da forma que desejarem, inclusive as ações classificadas até então enquanto não negociáveis. Dessa forma, a influência do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e dos fundos de pensão será consideravelmente enfraquecida, reduzindo a influência do Estado sobre decisões estratégicas da empresa.

A Caixa de Previdência dos Funcionários do Banco do Brasil (Previ) e outros sócios brasileiros, como o Bradesco e o BNDES, levaram à frente o acordo, moldado pelo banco Morgan Stanley, sediado em Nova Iorque, e pelo escritório de advocacia Vieira Rezende, que presta consultoria para o setor de mineração, com o suposto objetivo de retirar o caráter político da empresa e pulverizar seu capital (Góes & Ramalho, 2017). Porém, essas mudanças possibilitarão ainda mais a participação e controle da Vale por investidores estrangeiros. Outro objetivo do acordo é a entrada das ações da Vale no segmento de “Novo Mercado”[4] da BM & F Bovespa, pois este exige, entre outras condições, que as empresas emitam apenas ações ordinárias (Santos, 2017).

Neste processo, a Valepar deixará de existir e a Vale passará a não ter um grupo de sócios controladores. Ela irá apresentar uma estrutura acionária pulverizada, o que diminuirá consideravelmente a capacidade do Estado de influenciar nas decisões da empresa.

Cabe citar também a pulverização das ações da Vale S.A., o que reforça o poder de influência de agentes financeiros e internacionais sobre os contextos locais de mineração onde esta empresa atua e na economia nacional. O acordo foi consideravelmente facilitado pela presença de Temer na Presidência, que, em pouco tempo de mandato, buscou acelerar os processos de liberação dos ativos estatais e favorecimento do mercado, num momento de forte desvalorização das commodities minerais e das ações da mineradora. Mesmo que a alegação da pulverização das ações seja diminuir a influência política, a empresa continuará representando e sendo representada politicamente por diversos interesses, desta vez ligados predominantemente ao mercado financeiro. Sendo assim, ganham os investidores do mercado de capitais.

Por Tádzio Peters Coelho, Bruno Milanez e Luiz Jardim Wanderley.


Tádzio Peters Coelho, Cientista Social e doutor em Ciências Sociais pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Integrante do Grupo PoEMAS.

Bruno Milanez, Engenheiro de produção e doutor em Política Ambiental pela Lincoln University. É professor do Departamento de Engenharia de Produção e Mecânica e do Mestrado em Geografia da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF); coordena o Grupo de Pesquisa e Extensão Política, Economia, Mineração, Ambiente e Sociedade (PoEMAS).

Luiz Jardim Wanderley, Geógrafo e Doutor em Geografia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (PPGG/UFRJ). Professor do Departamento de Geografia da Faculdade de Formação de Professores da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ-FFP). Integrante do Grupo PoEMAS.


Notas

[1] Tipo de ação que confere ao titular os direitos essenciais do acionista, especialmente participação nos resultados da companhia e direito a voto nas assembleias da empresa.  Já as ações preferenciais conferem ao titular prioridades na distribuição de dividendo, fixo ou mínimo, e no reembolso do capital. Entretanto, as ações preferenciais não dão direito a voto ao acionista na Assembleia Geral da empresa, ou restringem o exercício desse direito.

[2] Implicam um direito prioritário de recebimento de dividendos

[3] A Valepar S.A. é uma holding, criada em 10 de abril de 1997, quando da privatização da empresa, constituída com o único objetivo de ter participação na Vale, sendo esta sua única atividade. O Conselho de Administração da Vale tem como sócio majoritário a Valepar S.A. Ela reúne atualmente a Litel (fundo de investimentos administrado pelos fundos de pensão Previ, Funcef e Petros), o Bradespar, a Mitsui, o BNDESPAR e o Eletro S.A. Como acionista majoritário, a Valepar S.A. pode eleger a maioria dos conselheiros da empresa e controlar o resultado de algumas suas ações.

[4] Constitui segmento específico de negociação de ações, que demanda níveis superiores de transparência das informações econômico-financeiras e, principalmente, critérios especiais de governança corporativa.